Crítica | Filhas do sol (Les Filles du Soleil) [2019]

Nota do filme:

Em Filhas do Sol (2019), a repórter francesa Mathilde (Emmanuelle Bercot) decide contar um pouco da história de um pequeno grupo de mulheres curdas que se tornaram “soldados” para matar terroristas do Estado Islâmico . Baseado em uma história real, o filme é muito mais que um relato sobre um problema social que envolve guerra e miséria. A narrativa explora os sentimentos e a subjetividade das mulheres como indivíduos que, internamente, precisam travar batalhas e vencer seus demônios.  Dirigido e escrito pela atriz e cineasta francesa Eva Husson, Filhas do Sol oferece um olhar particular sobre a guerra.

Atualmente, cerca de 3 mil mulheres fazem parte do exército curdo. Elas recebem treinamento militar, aprendem a manusear armas pesadas e, quando estão na linha de frente, tratam umas às outras como irmãs. A maioria delas, ex-escravas sexuais do EI que conseguiram escapar. Nos últimos cinco anos, o grupo terrorista sequestrou milhares de mulheres e meninas. Em 2017, o documentário “Girls, Guns and ISIS” trouxe imagens exclusivas dessa realidade. Eva Husson, porém, acrescenta mais uma perspectiva; o retrato que aproxima e provoca identificação com um exército que busca vingança e se orgulha disso.  A atriz Golshifte Farahani é quem dá vida a Bahar, comandante do batalhão na frente do Curdistão e ex advogada que busca vingar a morte da família. 

Mathilde e Bahar se encontram enquanto o exército se prepara para mais uma ofensiva. O protagonismo das duas personagens não é repentino, os conflitos acontecem gradativamente e a história delas se entrelaça naturalmente. As cenas são bem divididas entre ação e as questões pessoais de cada personagem. O equilíbrio desses dois momentos é o que torna o filme caótico, mas extremamente compreensível. O desconforto causado pelo paradoxo em questão é um dos elementos que faz com que Filhas do Sol seja tão imersivo. O ritmo do longa, apesar de lento para os moldes dos filmes de guerra, é inquietante e frenético. 

A narrativa é dividida entre dois eixos, o presente e o passado,  construído a partir de flashbacks.  Os elementos visuais são, também, essenciais para a interpretação das cenas. Filhas do Sol foi gravado na Geórgia, as belas paisagens naturais do país são exploradas ao máximo e a luz natural cai bem na fotografia. Eva Husson capricha em cada quadro; existe um cuidado desde a luz solar que reflete os olhos de uma personagem até o clarão provocado pelas bombas que invade os ambientes fechados. Assim, o que se vê é uma verdadeira composição artística que transmite mensagens em cada detalhe. Com cenas fortes, mas não apelativas, o longa se aproxima ao máximo da realidade, exalta a força feminina e a sororidade entre mulheres que perderam tudo e tentam reconstruir a própria identidade.