Nota do filme:
O diretor Baz Luhrmann, que não dava as caras nas salas de cinema há quase dez anos, já ganha o público logo numa das primeiras cenas de Elvis, seu mais novo filme. Nela, o empresário Tom Parker (Tom Hanks) percorre um longo caminho para assistir a uma das primeiras apresentações ao vivo do jovem cuja voz tem tomado conta das rádios. Quando Elvis (Austin Butler) finalmente sobe ao palco, solta o vozeirão e começa a requebrar os quadris, uma euforia insana toma conta do público feminino. As mulheres ficam boquiabertas, respiram ofegantes, gritam enlouquecidamente, quase atacam o cantor para tentar arrancar qualquer parte sua e levar para casa.
É uma sequência exagerada, quase caricata, mas capta com maestria a potência da figura de Elvis Presley diante do público. Aqui, os excessos cintilantes de Luhrmann casam perfeitamente com a ousadia rebelde do protagonista e, já nesta cena, podemos notar que não veremos uma cinebiografia qualquer. Só é possível transmitir a força de um ícone como Elvis se compreendemos tal força em suas muitas camadas. Baz Luhrmann mostra que não só compreendeu a força por trás do homem de sorriso sexy e cabelo ensebado, como também demonstra absoluta segurança sobre como retratá-lo na telona. E talvez este seja o maior mérito do diretor: deixar no público a sensação de que nenhum outro poderia contar essa história melhor do que ele.
É importante deixar claro que Elvis, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (14/07), não é exatamente uma cinebiografia sobre o Rei do Rock, mas um ponto de vista sobre sua carreira. A história é contada por Tom Parker, o homem que foi empresário de Elvis por mais de duas décadas e que, posteriormente, foi acusado de receber metade dos lucros do artista. Parker exercia um controle excepcionalmente rígido sobre a carreira de Elvis: decidia quais músicas deveria gravar, quais seriam seus amigos e privou-o de turnês ao redor do mundo porque não podia acompanhar o cantor. Tom Parker, na verdade, não era seu nome verdadeiro – ele vivia ilegalmente nos EUA depois de fugir da Holanda no mesmo dia em que a amante foi espancada até a morte.
Durante quase três horas de reprodução, podemos conferir um passeio através da parceria entre Elvis Presley e Tom Parker, responsável por seus maiores sucessos, mas também por sua grande ruína. Ao espectador, basta afundar na poltrona e se deixar envolver por essa trajetória cheia de momentos e viradas interessantes, muito além de episódios extraídos da vida do cantor. Elvis ganha peso quando consegue romper com as barreiras da cinebiografia tradicional e ser um filme cativante por si só, não apenas por retratar a carreira de um dos maiores ícones da cultura pop. E, para isso, suas qualidades técnicas foram fundamentais.
Como já era de se esperar, Baz Luhrmann segue sendo um diretor cujo trabalho passa longe da unanimidade. Seu estilo extravagante cheio de exageros visuais e artísticos, com uma estética que beira o kitsch, continua dividindo opiniões, porém se encaixa como uma luva na atmosfera da vida de Elvis Presley. Depois de quase dez anos longe dos cinemas, o cineasta prova que, mais que fazer filmes bonitos, ainda tem talento e fôlego de sobra para contar boas histórias. Não que Elvis deixe a estética de lado. Tanto design de produção quanto figurino e maquiagem são impecáveis, mas, desta vez, eles não são os únicos culpados por fazer o público se encantar pelo filme.
A montagem de Elvis é um dos grandes destaques, não só porque dá conta de amarrar bem cada acontecimento da carreira do artista, mas também por manter o estilo de edição que o diretor tem como marca registrada. É quase impossível que uma cinebiografia (mesmo uma com um recorte narrativo específico) consiga desviar de absolutamente todas as armadilhas que o gênero apresenta. Lá pelas tantas, o filme tropeça e perde de foco o embate “Elvis versus Parker”, entrando demais na vida pessoal do cantor. O roteiro, até então bem-estruturado, só volta a se aprumar quando lembra qual história estava contando. É difícil encontrar cinebiografias 100% redondinhas por aí, mas, apesar das dificuldades, Elvis termina com um saldo bastante positivo.
Outro grande destaque é o uso das músicas durante o filme. Uma vez que fala sobre um artista que emplacou tantos sucessos, seria natural que Elvis caísse na tentação de incluir o máximo de músicas icônicas possível durante a história. Bohemian Rhapsody, por exemplo, quis mostrar os bastidores de cada grande sucesso da banda Queen e acabou na mesmice. Já o filme de Luhrmann opta por utilizar certas músicas em momentos-chave e, assim, constrói cenas impactantes, não só pelas músicas em si, mas também pela montagem, fotografia e direção.
Além dos méritos técnicos, é preciso falar da interpretação de Austin Butler, cujo talento e dedicação são grande parte do motivo porquê tudo funciona tão bem. Butler certamente fez a lição de casa: aprendeu os trejeitos de Elvis, a forma como se movimentava no palco, a entonação com que cantava seu repertório. Porém, tudo isso sem querer ser um sósia. Butler constrói seu próprio Elvis e consegue trazê-lo à vida de forma bem mais poderosa do que se apenas imitasse o original. Tom Hanks também impressiona, principalmente por aparecer diante do público na pele de um antagonista, coisa a qual, definitivamente, não estamos acostumados. Como excelente ator que é, ele faz um trabalho marcante e quase esquecemos quem está por baixo de toda a maquiagem.
Elvis é um filme que encanta tanto os fãs quanto aqueles que sabem pouco ou quase nada sobre o Rei do Rock. É claro que tropeços acontecem e eles deixam evidente uma falta de profundidade na dicotomia mocinho/vilão, que atrapalha o desenvolvimento da trama por tornar o embate desnecessariamente plano. Mas uma vez que o roteiro volta ao recorte narrativo, consegue mostrar o verdadeiro potencial da história que tem em mãos. Elvis é empolgante, bem-estruturado e cheio de vida, resultado de um encontro que o mundo nem sabia que precisava. Baz Luhrmann e Elvis Presley, uma dupla cheia de sintonia, finalmente se casaram e a união não poderia ser mais sensacional.
Jornalista viciada em recomendar filmes e revisora de textos recifense que vive escrevendo sobre cinema nas horas vagas.