Crítica | Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime (2021)

Nota da Série:

Lançada no catálogo da Netflix no dia 8 de julho, quinta-feira, a minissérie traz uma das mais chocantes histórias de crime ocorridas no Brasil. No ano de 2012, a protagonista da série assassinou e esquartejou seu marido, Marcos Matsunaga, dentro do apartamento que moravam com a filha pequena, na cidade de São Paulo-SP. Após matá-lo, cortá-lo e armazenar seus restos mortais em malas de viagem, Elize Matsunaga vai até a cidade de Cotia-SP e joga as partes do marido, agora em sacos de lixo azuis, em diversos terrenos baldios pela cidade.

Porém, a história contada pela viúva era bem diferente: ela dizia que o marido havia fugido com a amante e deixado ela e a filha desamparadas, ao mesmo tempo em que também deixava a família sem suporte, já que a Yoki, empresa do ramo alimentício comandada por ele e pelo pai, estava em fase final de negociação, para ser vendida por, aproximadamente, 2 bilhões de reais. O espanto da família foi grande, mas, tendo em vista as gravações apresentadas por Elize aos familiares de Marcos comprovando a traição, não houve qualquer dúvida de que a história dela era verídica.

Com o avanço das investigações, foi constatado que os restos mortais localizados em Cotia-SP pertenciam, enfim, ao multimilionário herdeiro da Yoki. Foi então que Elize confessou o crime e deu início a uma das investigações mais assediadas pela mídia brasileira, esta que não perdeu tempo em vasculhar a vida pregressa da ré e apresenta-la da forma mais funesta possível ao grande público.

A minissérie em si trata muito pouco do julgamento, o que, para mim, foi uma decepção, já que era a parte que mais me interessava. Na verdade, a direção de Eliza Capai trouxe um toque extra dramático à trajetória da paranaense, a fim de tentar humanizá-la frente à população que não acredita que ela tenha direito sequer a um julgamento justo, que dirá à ressocialização, configurada, entre outras medidas, pelas saídas temporárias. Foi em uma dessas saídas, no ano de 2019, que a condenada teve a oportunidade de gravar o documentário e contar um pouco da sua versão dos fatos.

A história narrada por Elize é a de uma menina pobre, vinda do interior do Paraná, que chegou a São Paulo para trabalhar como garota de programa. Foi trabalhando por muitas e muitas horas, principalmente em épocas de eventos, que ela acabou conhecendo o seu futuro marido, um homem introvertido e, a princípio, sensível, que não conseguia se relacionar normalmente com mulheres e por isso pagava um site de acompanhantes de luxo. Nesses encontros eles se apaixonaram e mantiveram um relacionamento extraoficial por cerca de um ano, até que Marcos se separou de sua esposa e se casou com ela. Os dois formavam um casal excêntrico, viciado em caçadas, armas, vinhos e animais silvestres.

A combinação dos dois foi explosiva, e isso me lembra uma frase da série Westworld que diz que “esses prazeres violentos têm finais violentos”, e, de fato, teve: em uma briga homérica em que ela o acusa de traição e ele nega veementemente, Elize aponta uma arma para Marcos e atira em sua cabeça no meio da sala de jantar. Graças à experiência prévia com a faculdade de enfermagem, somada às inúmeras caçadas com o marido, ela esperou algumas horas e, enfim, o esquartejou, de modo que pudesse tira-lo do apartamento da maneira mais discreta possível.

É evidente que a brutalidade do crime pouco foi abordada no documentário, já que o foco ali não era fazer com que o telespectador a condenasse, e sim que a entendesse. Os poucos trechos trazidos do julgamento mostram uma abordagem extremamente machista e misógina, onde Elize foi, basicamente, acusada de matar por dinheiro e culpada por seu passado indigno, ao mesmo tempo em que Marcos foi trazido como alguém que se mostrava um bom homem, mas, na verdade era desrespeitoso, viciado em mulheres e abusivo.

Culpar a vítima é uma das estratégias trazidas pelo documentário, de modo a tentar justificar as decisões tomadas por Elize. Sabemos que, no fim das contas, sempre cabe uma análise mais aprofundada dos porquês de as pessoas cometerem crimes, e acredito que essa análise seja válida e muito necessária. Porém, a forma apresentada no documentário me trouxe certo incômodo, pois tentaram justificar os atos criminosos com acontecimentos da infância dela que, até onde ficou comprovado, em nada se relacionam com o crime, de modo a facilmente manipular um telespectador desavisado.

Desta forma, o ponto mais explorado pela diretora é o de que a ré foi condenada não só pelo crime em si, mas por ter vindo de onde veio e por ter passado pelo que passou, e esse argumento tem embasamento forte e sólido. Contudo, acredito ter havido certo excesso ao relacioná-lo com outros pontos da vida de Elize, que em nada se relacionam com o crime. Que a vida dela não foi fácil não há dúvidas, mas devemos ser comedidos ao atribuir toda e qualquer causa a um resultado extremo como esse, e por isso o documentário não me agradou. De qualquer forma, há pontos interessantes no enredo: os finais dos episódios acabam de forma muito sinistra, o que me deixou de cabelo em pé todas as vezes. Para tirar suas próprias conclusões, confira a minissérie, que conta com quatro episódios e está disponível na plataforma da Netflix.