Crítica | El Camino: A Breaking Bad Movie (2019)

Nota do Filme:

Aviso: o texto a seguir evita entrar em spoilers do filme, porém contém alguns comentários referentes ao encerramento da série.

Ao longo de suas cinco temporadas, Breaking Bad se consolidou não apenas como uma das maiores séries de televisão da História, mas também como um dos maiores fenômenos televisivos de todos os tempos. E não seria exagero dizer, mesmo tomando certos cuidados e respeitando o pequeno distanciamento temporal de seu término, que o seriado da AMC se tornou um marco na cultura deste século, seja na forma como o público se relaciona com uma obra de ficção audiovisual, seja no impacto gerado na indústria do entretenimento como um todo.

O fato é que todos esses superlativos não se originariam sem um conjunto de fatores que os viabilizassem. Assim, o crédito para tamanho sucesso pode ir para seu showrunner (do qual se falará mais adiante), ao seu elenco, aos diretores e roteiristas envolvidos em diversos episódios, aos responsáveis por fotografia, figurino, design de produção etc etc etc. Felizmente, tais qualidades – que já haviam sido mantidas em seu extraordinário spin-off, Better Call Saul – também estão presentes em El Camino: A Breaking Bad Movie.

O longa acompanha Jesse Pinkman (Aaron Paul) imediatamente após os acontecimentos de Felina, o excepcional episódio de encerramento do show, isto é, retrata a fuga do personagem de seu cativeiro e a caçada estabelecida sobre este pelas forças policiais norte-americanas, algo que o transforma em um dos maiores procurados do país. Sem ter aonde ir, o eterno pupilo de Walter White (Bryan Cranston) recorre a seus velhos amigos Badger (Matt Jones) e Skinny Pete (Charles Baker), para tentar, de alguma forma, retomar seu plano de se exilar sob uma nova identidade no Alaska, algo mostrado em Confessions (temporada 05, episódio 11). 

Mas o roteiro de Vince Gilligan, criador da série e diretor do projeto, não se resume a isso, uma vez que investe em flashblacks que possibilitam ao espectador compreender melhor os dias de prisioneiro junto ao “carcereiro” Todd (Jesse Plemons), além de proporcionar a aparição de personagens queridos do público (e o que é fundamental: não se trata de mero fan service gratuito, pois tais aparições são justificadas em termos narrativos). Dessa forma, a revisita ao universo de Albuquerque carrega uma dose de nostalgia ao mesmo tempo em que amplia o conhecimento daquele mundo com novas informações relevantes. E isso é essencial, pois podemos, por exemplo, entender melhor os traumas demonstrados por Jesse após testemunharmos o nível de sociopatia exibido por Todd (o trabalho de Plemons é digno de prêmios, a propósito).     

O elenco, inclusive, não só está todo muito bem, como é tratado com respeito e carinho por Gilligan, algo que já ocorria na série. Desse modo, personagens como Badger e Skinny Pete, que nas mãos de realizadores menos sensíveis poderiam se tornar caricaturas, demonstram, aqui e ali, camadas de complexidade que permitem que enxerguemos doçura em suas caracterizações. Assim como é eficiente o Ed de Robert Forster (infelizmente falecido no dia de lançamento do filme).

Mas, é claro, o que faz de El Camino tão fascinante é a performance de Aaron Paul. Se o Jesse de Breaking Bad muitas vezes se rendia a explosões de tagarelice e impulsividade, o de agora é taciturno e pensa muito antes de agir. Algo que traz desafios para qualquer ator, pois, com a fala limitada, precisa retirar expressividade de gestos e movimentos faciais (algo feito com igual competência por Tom Hardy em Locke, que se passa todo o tempo dentro de um carro).

Já os fãs das escolhas estilísticas do seriado também não ficarão decepcionados, já que as transições elegantes e a fotografia que explora as locações continuam presentes. Em especial, a rima estabelecida entre duas cenas de Pinkman dirigindo, aqui e em Felina, além de fechar competentemente um determinado ciclo, oferece a perspectiva de imaginarmos que o rapaz finalmente encontrou, após uma série de desventuras, perdas e crimes (fruto das circunstâncias mas também de escolhas próprias), seu merecido caminho.