Crítica | Dor e Glória (Dolor Y Gloria) [2019]

Nota do Filme:

Analisar o passado e relembrar como que cada um chegou no momento atual da vida é algo natural, curioso e assustador, pois ao recordar as memórias o indivíduo se conhece melhor e reconhece o seu lugar no mundo, mesmo que o presente não tenha sido o futuro especulado anteriormente, porém não se deve negar o que ficou para trás.

“Salvador Mallo (Antonio Banderas) é um melancólico cineasta em declínio que se vê obrigado a pensar sobre as escolhas que fez na vida quando seu passado retorna. Entre lembranças e reencontros, ele reflete sobre sua infância na década de 1960, seu processo de imigração para a Espanha, seu primeiro amor maduro e sua relação com a escrita e com o cinema.”

Pedro Almodóvar apresenta um dos seus filmes mais íntimos, um dos melhores de sua filmografia, que conta com uma performance melancolicamente carismática de Antonio Banderas, além de possuir um viés biográfico (dada toda a licença poética) ao contar a história de um cineasta que mergulha no passado.

Para isso, a edição do filme possui um timing que transforma os flashbacks em uma viagem introspectiva do protagonista, ao mesmo tempo em que é inserida para explicar o seu presente, efetuando os cortes no momento em que o personagem embarca no seu subconsciente, seja através do contato com a heroína ou relembrando de algo especificamente.

Nesse ponto, o roteiro apresenta claramente qual o caminho que seguirá, demonstrando a todo momento a dualidade do título do longa. Diferente de outros filmes desse tipo, como Morangos Silvestres (1957), o protagonista não possui arrependimentos impenitentes, pelo contrário, conforme o seu passado surge, seu futuro se torna mais objetivo, fazendo com que supere as dores que o afligem, pelo menos momentaneamente.

Assim, a performance de Banderas é primordial para o funcionamento da narrativa pois é ele que, através dos trejeitos do personagem, transmite toda a sua inquietude em relação a fragilidade da sua saúde ao compasso da impossibilidade de gravar, e o seu alívio ao reencontrar as lembranças na sua frente.

Além disso, é necessário exaltar a direção de Almodóvar que possui total controle de cena, além de assinar o roteiro, pois ele estabelece duas regras para o seu longa que são essenciais para deixar o texto implícito: o vermelho para a dor e o azul para a glória. Com isso ele mostra a mudança do seu personagem através do tempo sem precisar anunciar isso, além de estabelecer rimas visuais entre presente e passado e demonstrar o conflito interno do protagonista utilizando essas cores em cena.

Portanto, Almodóvar entrega um dos melhores filmes de sua extensa carreira, e talvez o mais introspectivo, retomando a parceria longínqua com Antonio Banderas em uma excelente atuação, ilustrando como o passado molda o presente, e, consequentemente, afeta o futuro, afetando de forma positiva ou negativa, dependendo da perspectiva.