Crítica | Dois Papas [The Two Popes] (2019)

Nota do Filme:

Dois Papas foi muito elogiado pela crítica. Grandes jornais nacionais e internacionais fizeram análises tão positivas sobre o filme do brasileiro Fernando Meirelles que é difícil não assistir com certas expectativas. Disponível na Netflix e em alguns cinemas, o longa conta a história do Papa Francisco e sua peculiar amizade com o polêmico Papa Bento XVI. A narrativa vai muito além da simplicidade que a sinopse do filme propõe e conquista pela humanização dos personagens que, na realidade, são autoridades religiosas intocáveis.  

Com uma estrutura que mistura ficção e realidade, a história é contada através de flashbacks na medida que ambos relembram o passado e o caminho trilhado até ocuparem seus cargos. As opiniões opostas sobre assuntos religiosos e políticos faz parecer impossível a convivência de ambos. Bento XVI é interpretado genialmente por Anthony Hopkins, que encarna o senhor alemão conservador e quase ranzinza por trás da figura do Papa. Já Jonathan Pryce consegue transmitir o carisma do então cardeal Bergoglio, o argentino apaixonado por futebol e engajado nas causas sociais. 

Apesar de a maioria das conversas retratadas entre eles nunca ter de fato ocorrido, o roteiro constrói uma forte sintonia. A parte ficcional da amizade funciona quase como um raio de esperança de que ainda pode existir diálogo em meio à polarização, e essa é uma das principais mensagens do filme. Dois homens que discordam sobre doutrinas religiosas, futebol e política, acabam achando algo em comum. 

Mas, Dois Papas está longe de ser apenas sobre uma inesperada amizade. O longa se torna ainda mais político ao oferecer um olhar crítico sobre o período da ditadura militar na América Latina, principalmente na Argentina. Nem a religião escapou da repressão, restando a qualquer um que se opusesse ao regime ser torturado ou morto. Fernando Meirelles envolve o filme no espectro político, visto que a própria ascensão do atual Papa Francisco esteve diretamente ligada a um dos períodos mais obscuros de seu país natal. 

Meirelles refaz, com a mesma genialidade, as proezas feitas em outros de seus filmes como À Deriva (2009) e Cidade de Deus (2002), mas com uma proposta totalmente diferente e inovadora. Constrói uma linha temporal eficaz que é dinâmica e, ao mesmo tempo, impactante. A atuação de Hopkins e Pryce enriquece ainda mais a história e aproxima o público do universo quase mítico do Vaticano, abrindo uma nova perspectiva acerca do diálogo e do consenso. Dois Papas mostra como o passado pode ecoar e perpetuar estigmas por muito tempo, por isso o filme é extremamente importante para se pensar a atualidade, justificando todas as críticas positivas que vem recebendo.