Crítica | Divino Amor (2019)

Nota do filme:

Joana queria transformar o Estado num lugar de fé. Trabalhava a serviço de Deus, servindo ao próximo. A burocracia era a sua esperança.” (narrador)

O longa, dirigido pelo pernambucano Gabriel Mascaro (Boi Neon), trata de conservadorismo, devoção e hipocrisia social. Com direito a abertura, inicia com música, lampejos neon e fumaça vermelha, apresenta  uma atmosfera nonsense com uma pegada futurista. A trama se passa em 2027 e acompanha a história de Joana (Dira Paes), uma devota religiosa que trabalha na área de divórcio em um Cartório e se aproveita do ofício para aconselhar casais a manter o casamento.

Cada porta-retrato recebido de pessoas que reataram devido a sua interferência é como um troféu para Joana, guardados todos juntos em uma espécie de santuário. Ao se imiscuir na vida das pessoas, ela tenta dissuadir o desejo de divórcio oferecendo conselhos e convidando os casais a participarem do Divino Amor, um culto religioso comandado pela Mestra Dalva (Teca Pereira), com o intuito de orar e aproximar os casais de uma maneira nada trivial.

Divino Amor conta com a narração de uma criança (Calum Rio) desde os primeiros minutos, como um ser alheio à trama, mas capaz de julgar o que se passa ali. Não é difícil perceber que o diretor quis demonstrar uma faceta do futuro com as consequências do atual governo, não à toa escolheu contar uma história daqui a exatos 8 anos, ou seja, logo após dois períodos do mandato presidencial, considerando uma reeleição. A crítica sobre a conjuntura política é realizada sob um prisma religioso. O conservadorismo e a religiosidade são facilmente constatados nos maneirismos do filme (“a festa mais importante do país não era mais o carnaval, era a festa do Amor Supremo”).

A devoção é tão forte e sobressaltada na obra que há um drive thru com um pastor (Emílio de Mello) realizando os aconselhamentos espirituais, enquanto o fiel permanece no carro ouvindo os conselhos e o louvor. O estado civil das pessoas vale tanto quanto o nome, uma vez que há detectores na entrada das lojas que identificam as pessoas mostrando ambas qualificações. Observando com atenção se percebe que nada é posto gratuitamente, tudo tem algum motivo para estar ali e acaba se conectando em algum momento. Embora as ideias passem a soar repetitivas, sem progredir na trama.

A direção de arte de Thales Junqueira em conjunto com a fotografia de Diego García são fantásticas. A estética do longa confere um ar futurista, com espaços amplos vazios, criando uma atmosfera quase surreal. Isso deixa a aparência em conformidade com o roteiro, embora este deixe a desejar ao revelar um enredo aparentemente simples, mas com nuances complexas que não são bem desenvolvidas. O potencial é grande, a premissa é interessante, mas faltou o desenrolar de alguns pontos. É uma obra naturalista, que exacerba nos atos sexuais, exagera na nudez e apresenta uma cena de parto bem real, com o objetivo de conferir credibilidade à história. No entanto, a impressão que fica é que a narrativa não avança e acaba por se repetir, explicando o que já estava explícito.

Em meio a fumaças, músicas e luzes, Mascaro entrega uma obra excêntrica, com muito realismo (sem reserva nas cenas de sexo – que chegam a causar desconforto –, ausência de pudor nas de nudez e veracidade na de parto), apesar de soar artificial em alguns momentos. É um filme muito cru, que projeta uma sensação propositada de incômodo, mas se perde na repetição de ideias. Isso, aliado a uma atmosfera de outra era, contribui para artificialidade e falta de identificação pelos espectadores. A ideia inusitada provoca interesse, principalmente diante do atual cenário político, o naturalismo poético confere corpo e vida ao longa, mas falta uma alma à película.

Divino Amor estreia em 27 de junho nos cinemas.