Nota do filme:
O longa, dirigido pelo pernambucano Gabriel Mascaro (Boi Neon), trata de conservadorismo, devoção e hipocrisia social. Com direito a abertura, inicia com música, lampejos neon e fumaça vermelha, apresenta uma atmosfera nonsense com uma pegada futurista. A trama se passa em 2027 e acompanha a história de Joana (Dira Paes), uma devota religiosa que trabalha na área de divórcio em um Cartório e se aproveita do ofício para aconselhar casais a manter o casamento.
Cada porta-retrato recebido de pessoas que reataram devido a sua interferência é como um troféu para Joana, guardados todos juntos em uma espécie de santuário. Ao se imiscuir na vida das pessoas, ela tenta dissuadir o desejo de divórcio oferecendo conselhos e convidando os casais a participarem do Divino Amor, um culto religioso comandado pela Mestra Dalva (Teca Pereira), com o intuito de orar e aproximar os casais de uma maneira nada trivial.
Divino Amor conta com a narração de uma criança (Calum Rio) desde os primeiros minutos, como um ser alheio à trama, mas capaz de julgar o que se passa ali. Não é difícil perceber que o diretor quis demonstrar uma faceta do futuro com as consequências do atual governo, não à toa escolheu contar uma história daqui a exatos 8 anos, ou seja, logo após dois períodos do mandato presidencial, considerando uma reeleição. A crítica sobre a conjuntura política é realizada sob um prisma religioso. O conservadorismo e a religiosidade são facilmente constatados nos maneirismos do filme (“a festa mais importante do país não era mais o carnaval, era a festa do Amor Supremo”).
A devoção é tão forte e sobressaltada na obra que há um drive thru com um pastor (Emílio de Mello) realizando os aconselhamentos espirituais, enquanto o fiel permanece no carro ouvindo os conselhos e o louvor. O estado civil das pessoas vale tanto quanto o nome, uma vez que há detectores na entrada das lojas que identificam as pessoas mostrando ambas qualificações. Observando com atenção se percebe que nada é posto gratuitamente, tudo tem algum motivo para estar ali e acaba se conectando em algum momento. Embora as ideias passem a soar repetitivas, sem progredir na trama.
A direção de arte de Thales Junqueira em conjunto com a fotografia de Diego García são fantásticas. A estética do longa confere um ar futurista, com espaços amplos vazios, criando uma atmosfera quase surreal. Isso deixa a aparência em conformidade com o roteiro, embora este deixe a desejar ao revelar um enredo aparentemente simples, mas com nuances complexas que não são bem desenvolvidas. O potencial é grande, a premissa é interessante, mas faltou o desenrolar de alguns pontos. É uma obra naturalista, que exacerba nos atos sexuais, exagera na nudez e apresenta uma cena de parto bem real, com o objetivo de conferir credibilidade à história. No entanto, a impressão que fica é que a narrativa não avança e acaba por se repetir, explicando o que já estava explícito.
Em meio a fumaças, músicas e luzes, Mascaro entrega uma obra excêntrica, com muito realismo (sem reserva nas cenas de sexo – que chegam a causar desconforto –, ausência de pudor nas de nudez e veracidade na de parto), apesar de soar artificial em alguns momentos. É um filme muito cru, que projeta uma sensação propositada de incômodo, mas se perde na repetição de ideias. Isso, aliado a uma atmosfera de outra era, contribui para artificialidade e falta de identificação pelos espectadores. A ideia inusitada provoca interesse, principalmente diante do atual cenário político, o naturalismo poético confere corpo e vida ao longa, mas falta uma alma à película.
Divino Amor estreia em 27 de junho nos cinemas.
Apaixonada por filmes e séries, queria transformar o mundo em um lugar melhor, deitada na minha cama, ligada na TV.
“Sou só uma garota ferrada procurando pela minha paz de espírito.” Kruczynski, Clementine (Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças).