Nota do filme:
Em uma pequena cidade na Macedônia, Štip, costuma ser realizada, anualmente, uma tradicional cerimônia religiosa, na qual um sacerdote da Igreja Ortodoxa local atira uma cruz de madeira no rio, a ser perseguida por fiéis. Em um dos eventos, a jovem Petúnia (Zorica Nusheva) participa e consegue capturar o item sagrado. O que seria apenas mais uma situação trivial, não fosse por um mero detalhe: o ritual é reservado apenas a homens e a “intromissão” da garota irá desencadear uma série de agitações na comunidade e problemas em sua vida. Um efeito bola de neve agravado por sua recusa em devolver o objeto.
O plano que abre a produção é inspirado por, com poucos elementos, resumir de maneira eficaz a história que se seguirá nos cerca de cem minutos seguintes. Nele, vemos apenas a protagonista no centro da imagem, em um piso listrado (como as grades de uma cela). A câmera se move um pouco em sua direção e em seguida é adicionada uma trilha hardcore em altíssimo volume. Desse modo, nos damos conta de que a narrativa será: a) centrada na moça; b) que essa não se permitirá ser mantida presa (se posicionando à frente das “grades”); e c) que ela não hesitará em fazer o máximo de barulho possível.
Pois Petúnia é, inegavelmente, determinada e persistente em suas convicções. O que lhe traz percalços pois, características que normalmente são bem-vistas em homens, como sinal de firmeza, em mulheres costumam ser vistas em sentido pejorativo, como sinal de arrogância. No entanto, a personagem também apresenta vulnerabilidades e fraquezas, em um enorme mérito da excelente composição de Nusheva, que retrata a jovem de uma maneira tridimensional. Isso enriquece a caracterização, uma vez que, ao vermos a garota desafiando autoridades sabendo que ela está apavorada por dentro, só podemos sentir admiração por sua postura. E a cena mais emblemática nesse sentido se dá quando ela atua usando praticamente apenas a respiração.
Além do já citado plano que abre o longa, a diretora Teona Strugar Mitevska também atinge outros momentos competentes, como na parede da hostil sala de interrogatório da delegacia, que, apresentando uma floresta cerrada, situa Petúnia em uma selva. Ou na cena que coloca a moça se impondo e confrontando sua mãe pela primeira vez, apresentando-a em uma posição superior fisicamente enquanto caminha. Ou ainda o momento divisor de águas da história, que mostra como a jovem foi literalmente empurrada para a cerimônia. Também são eficientes, por sua sutileza, os raros – porém bem inseridos – momentos de humor, como na cena que traz um manequim feminino sendo furtado.
No entanto, se o filme funciona bem como exercício narrativo e conta com uma ótima performance central, ele não atinge o mesmo resultado enquanto comentário social. A mensagem a ser transmitida é: “é difícil ser mulher na Macedônia”. Perfeito, e vendo o longa isso fica claro. O problema é que não há nada na trama que particularize geograficamente a questão. O filme pretende criticar a sociedade macedônica por seu sexismo enraizado, por uma mentalidade ainda atrasada no que diz respeito aos costumes e pela constante mistura entre lei e religião. Ora, essa crítica pode ser empregada a basicamente qualquer país liderado por indivíduos que não conseguem (ou não querem) distinguir política de religião, oriental ou ocidental.
O que ocorre com Petúnia poderia perfeitamente ter acontecido no Brasil, no Irã ou nos Estados Unidos. E o mesmo vale para a trama paralela envolvendo a jornalista Slavica (Labina Mitevska), que ganha o mesmo que seu câmera e ainda tem que lidar com as tarefas de mãe em função de um marido e pai displicente. E é por isso que o filme perde um pouco de sua força no terceiro ato, ao pretender dar um caráter particular a uma história que é, infelizmente, universal.
Historiador que acredita que a vida fica mais fácil quando vamos ao cinema.
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