Crítica | Desobediência

Depois de ganhar o Oscar por “Uma Mulher Fantástica”, Sebastián Lelio volta no comando de Desobediência (2017) e suas protagonistas parece que foram escolhidas a dedo, Rachel McAdams e Rachel Weisz. O filme começa com a morte de um rabino, pai de Ronit (Rachel Weisz) e a fotografa se vê obrigada a voltar para sua cidade natal devido as cerimônias judaicas e durante esse tempo ela se reconecta com seu primo, Dovid (Alessandro Nivola). A esposa de Dovid, Esti (Rachel McAdams) era muito amiga dos dois na infância e viveu um romance com Ronit, mas devido a fé de ambas, escolhas precisaram ser feitas e enquanto Ronit decidiu ir para Nova Iorque e viver livre, Esti escolheu permanecer na comunidade escondendo seus sentimentos. Por pura aparência e aconselhada pelo rabino, Esti se casou com Dovid. No começo do filme nos é apresentado vários arcos e todos eles giram em torno de tradições e costumes da religião que é a base do longa, junto com a sexualidade e redescobrimento de antigos desejos. Ainda nutrindo sentimentos uma pela outra, o casamento de Esti entra em uma espiral no segundo ato do filme. E é justamente aí que Rachel McAdams se aproveita do momento para brilhar, mostrando uma atuação digna de indicação ao Oscar. Ambas personagens foram um desafio para as atrizes devido a falta de familiaridade com o universo e isso foi afirmado por elas em várias entrevistas. Rachel Weisz consegue transparecer o lado ressentido da fotografa, que deixou tudo pra trás quando decidiu abraçar sua liberdade, mas ainda guarda arrependimentos por não ter ficado com seu pai, não ter aceitado a religião em sua vida e principalmente ir para longe de sua paixão proibida. Enquanto Weisz interpreta uma personagem mais explícita com seus sentimentos, mais livre de algumas amarras, Rachel McAdams precisou fazer totalmente o oposto, pelo menos no primeiro ato do filme. No começo, o ressentimento de Esti não é mostrado em palavras, mas sim nas suas expressões e postura. Sua companheira de cena, Rachel Weisz, disse em uma entrevista que McAdams chegou um dia para gravar o filme e parecia outra pessoa. A atriz que interpreta Esti tinha estudado o sotaque, a maneira que pessoa com sua liberdade controlada se porta, a cultura judaica e todos pequenos detalhes que compõe sua personagem. A atuação de McAdams torna Esti uma pessoa completamente distante de outros papéis já interpretados por ela. No primeiro ato Esti tem uma postura, corporal e facial, da esposa submissa, presa em um casamento que claramente não foi escolhido por ela, mas a volta de Ronit, seu amor de infância, a faz lembrar que existe um mundo em sua frente e ela tem a liberdade de fazer as próprias escolhas e é ai que o segundo ato se torna crucial na jornada de Esti. Nesse ponto aquele sentimento que foi reprimido pela religião e pelos familiares no passado vem à tona, com aquela vontade de matar a vontade desses anos passados, mas as protagonistas lidam com isso de maneiras diferentes e essa diferença é o que define o desfecho do longa. As cenas íntimas de Ronit e Esti se encaixaram bem nessa obra por duas razões, a sutileza com que foram escritas e a dedicação de ambas atrizes em mostrar o significado implícito no momento. Uma das cenas mais impactantes e explícitas agradou Rachel McAdams. A atriz comentou em entrevistas todo o estudo em torno do ato durante as gravações para poder passar a mensagem correta e não ser somente mais uma cena de sexo entre duas mulheres. Sebastián Lelio nos entrega um filme com questionamentos, descobrimentos e incertezas, mas não só isso. Desobediência vai além de Ronit, Esti e seu amor proibido, o longa trata de questões maiores que as duas e decisões que não podem ser feitas unicamente por elas, pois envolve mais atores e mais vidas. O que torna Desobediência um filme diferenciado, principalmente dentre aqueles com casais do mesmo sexo, é como o mundo não é simples. Você pode fugir da vida mantida somente por aparências e se entregar ao desejo, ao fogo daquele amor que queima, mas só por um dia. As duas “Rachels” nos lembram que a liberdade está a um passo, porém essa liberdade muitas vezes só é possível ser vivida longe daquelas algemas que nos prendem e se livrar de tais algemas tem um alto custo.