Crítica | De quem é o sutiã? (The Bra) [2018]

Nota do filme:

O simpático Nurlan (Predrag ‘Miki’ Manojlovic), maquinista de um trem que se dirige à cidade de Baku, no Azerbaijão, está pronto para aquela que será sua última viagem antes da aposentadoria quando passa por uma curiosa e inusitada situação. Ao chegar em seu destino, o transporte segue por um emaranhado de varais da vizinhança local, ficando com um sutiã azul enroscado. Mesmo sem a menor ideia de quem o possuía, o condutor do trem decide então ir atrás da dona da peça, alugando um quarto na cidade e embarcando em uma jornada que poderá mudar sua vida para sempre.

Não é difícil, pela sinopse acima, notar como o filme do diretor alemão Veit Helmer emula a clássica história da Cinderela (além de curiosamente pegar emprestado uma das maiores convenções do gênero de ação: a famosa “última missão antes da aposentadoria”, o que, é claro, serve de mote para o desenrolar da trama). Mas o roteiro, escrito por Helmer junto com Leonie Geisinger, não se restringe a uma adaptação contemporânea do conto de fadas, utilizando a obsessão de Nurlan como um comentário para o medo da solidão e a falta de perspectivas de vida após anos realizando o mesmo trabalho.

Igualmente curioso é o recurso em deixar o filme mudo, o que, consequentemente, torna necessário que o humor seja extraído de outras fontes que não a fala, aumentando assim o desafio dos realizadores. E pode-se dizer que o longa atinge resultados satisfatórios nesse aspecto; embora não seja hilário, De quem é o sutiã? extrai bons momentos em gags visuais e sonoras, sem que soe apelativo ou recorra à repetição excessiva.

Também contribui para isso o bom desempenho do elenco. Manojlovic compõe seu Nurlan com simpatia e delicadeza, e nunca vemos sua tentativa de encontrar a dona do vestuário como algo fruto de segundas intenções ou malícia, mas algo como realmente genuíno. E Denis Lavant, veterano e talentoso ator francês, que interpreta o pupilo de Nurlan, Kamal, dá mais uma prova de sua eficiência criando um personagem mais complexo do que se pode imaginar em um primeiro momento.

Merecem destaques também a bela fotografia de Felix Leiberg, que explora bem as paisagens naturais e o trabalho de som, que não é incidental e contribui para a construção da narrativa como um todo. Pois embora trate-se de um filme mudo o som é um elemento constante de agregação.Não tendo medo de abraçar a leveza e o descompromisso, De quem é o sutiã? adota uma conhecida fábula para comentar sobre o ocaso da vida e a busca por uma companhia que torne os dias restantes mais agradáveis e prazerosos, fazendo rir no meio do caminho, algo que não deixa de ser, em última instância, uma bela perspectiva para qualquer aposentadoria satisfatória.