Crítica | Colette (2018)

Nota do filme:

Colette conta a história de Sidonie-Gabrielle Colette (Keira Knightley), jovem francesa que vive na zona rural do país com seus pais Sido (Fiona Shaw) e Jules (Robert Pugh). Após conhecer e se apaixonar por Willy (Dominic West), famoso escritor francês, é por ele levada a Paris, à época capital artística e intelectual do mundo.

Contudo, devido às dificuldades financeiras do marido, se vê obrigada a se tornar sua escritora-fantasma, isto é, escrever um livro no qual ele colocaria o seu nome como autor. Assim, criou um romance semi biográfico sobre uma jovem chamada Claudine, um instantâneo best seller na cidade, lançando-os a fama. Eventualmente, a infidelidade do marido, falta de reconhecimento e seu crescente interesse em mulheres faz com que entre em confronto com Willy.

O filme aborda a real história de Sidonie-Gabrielle Colette, conhecida hoje como uma grande novelista tendo sido, inclusive, nomeada ao Prêmio Nobel de Literatura em 1948. Sua carreira conta com tantos acontecimentos marcantes que uma adaptação cinematográfica era inevitável. Felizmente, o diretor Wash Westmoreland faz jus à tarefa de trazer à sétima arte uma figura tão relevante.

Colette aborda uma mulher independente em uma época na qual tal ideia ainda era de difícil concepção. Não apenas isso, mas o confronto com o marido acerca do reconhecimento criativo por parte da série de livros Claudine espelha um conflito vivo até os dias de hoje, vez que, por vezes, homens menos talentosos recebem o crédito por avanços descobertos/imaginados por figuras femininas.

O roteiro faz um excelente trabalho na contextualização de seus personagens. Willy não é um mero vilão, por mais que esteja, efetivamente, aproveitando-se do talento de sua esposa. Não há dúvidas acerca do seu caráter abusivo, contudo, por vezes incorre em certas atitudes que conseguem a simpatia da audiência, uma vez que é um reflexo da sociedade na qual está inserido. Simultaneamente, a história leva o seu tempo para desenvolver o interesse da protagonista por pessoas do mesmo sexo, de modo que não se trata de um desejo repentino, mas sim algo perceptível ao espectador, desenvolvido de maneira apropriada.

No aspecto técnico, permanece a excelência, sobretudo quanto ao design de produção. A beleza do cenário e figurino é impressionante. Via de regra tais detalhes passam despercebido pelo público, entretanto, em produções de época, é impossível não se maravilhar com determinadas conquistas desse segmento da indústria cinematográfica.

Todavia, há um aspecto que pesa negativamente. Justamente por abordar um período tão extenso, a narrativa tem dificuldades em manter um ritmo consistente. Assim, ocorrem saltos temporais de anos sem, contudo, haver sensação de passagem no tempo. Tais situações acabam por tornar a obra por vezes arrastada, sobretudo no seu segundo ato, o que pode fatigar o espectador.

Felizmente, a atuação dos atores principais impressiona, de modo que levanta o longa em seus momentos desinteressantes. Keira Knightley, conhecida por suas participações em filmes de época, tem uma performance intensa e imersiva. Sua ferocidade como uma mulher em uma era inóspita para tal é admirável. Concomitantemente, sua entrega em cenas mais artísticas tornam a experiência mais íntima, o que adiciona nuances à película, de modo que uma possível indicação ao Oscar de Melhor Atriz principal deve ser considerada. Dominic West impressiona como Willy, acrescentando carisma a um papel que, nas mãos erradas, poderia se tornar simplista e unidimensional.

Subsiste um pequeno problema que apenas incomodará aos mais exigentes. Isto porque, a despeito de se passar na França, a língua utilizada nas falas é o inglês. Claro, entende-se que se trata é uma produção americana, contudo, essa discrepância fica em evidência uma vez que há um grande foco na escrita. Dessa forma, por mais que os personagens utilizem, na fala, determinado idioma, todas as cartas, manuscritos e anúncios estão em francês, criando uma inconsistência na transmissão do roteiro. De qualquer maneira, ressalta-se, é uma incongruência que será notado por grande parte da audiência.

Sendo assim, tem-se que Colette apresenta uma interessante abordagem acerca da vida da escritora. Com um design de produção invejável e uma direção objetiva, o longa por vezes tropeça no que diz respeito a tom e consistência. Todavia, a forte química de seus protagonistas impede que a experiência se torne entediante. Ainda, a interpretação inspirada de Keira Knightley confere uma forte intensidade às suas cenas, fazendo com que a obra seja uma ótima experiência aos fãs do cinema.

Filme visto durante o 20º Festival do Rio, em novembro de 2018