Crítica | Closer – Perto Demais (Closer) [2004]

Nota do filme:

Com uma narrativa desregrada e focada em demonstrar, Closer – Perto Demais se consolida como uma obra atemporal sobre o amor e suas germinantes virtudes. Comprometido em trazer o núcleo já pequeno e bruto da peça homônima, o longa de Mike Nichols exalta claramente sua compreensão das cores, formas e sua capacidade de com isso mimetizar a natureza humana nua, sem barreiras. A cada cena, a formatação de Nichols para que os diálogos aconteçam veste os personagens de uma maneira clara e que anuncia o próximo ato sem muita dificuldade. Seja pela transição vaga de cores ou pela explosão harmônica do desabrochar da nova personalidade de um, o público sempre é mantido com o sensitivo apurado ao espectar o longa em toda a sua complexidade. A agente principal, bem como arauto dessa direção de arte, é Alice Ayres (Natalie Portman), a coadjuvante que na verdade protagoniza a principal mecânica do filme: a de plastificar o todo e a partir dele demonstrar como tudo é fugaz, até o amor.

Há no longa uma possível inspiração ficcional cruel usada para ilustrar o que acontece com cada uma das comportadas virtudes quando expostas ao extremo das ambições e chances únicas de relacionamentos assim. Esse traço realista é responsável por chocar dentro das cenas mais forçadas a seguir esse ritmo. Seja pelas conversações tardias mais pesadas que a trama aborda ou pela facilidade de viver algo tão frágil e líquido, a mensagem de Closer – Perto Demais consegue atravessar como um raio o mais novato nessa compreensão. É sobre a plasticidade (e nela) que o roteiro nada em temas polêmicos, tais como abandono, perdão, mentiras e sacrifícios. Tudo em um apontamento claro para o amor como justificativa dos atos mais desdenhosos e por muitas vezes claramente egoístas que tramitam nas decisões de cada um dos principais personagens usados na adaptação. Ousado como se apresenta em cada passagem sua, os diálogos aqui completam a trama com a pesada armadura que reforça o íntimo do elenco de peso aqui utilizado.

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O roteiro de Patrick Maber consegue sangrar os personagens bem cedo na narrativa apenas usando conversações bem elaboradas. O feitio de muitos diálogos orbita ego, ciúme e sobretudo controle das personas que, submetidas como são ao jogo emocional da trama, colocam a cara a tapa na busca pelo que querem — e todos querem algo. Representando esses avatares de desejos, Daniel (Jude Law) encara com humildade e noção vaga do grande jogo o seu relacionamento dividido e indecente. Na sombra do protagonista inicial e de forte ímpeto para a frieza que mais tarde escorre como água por suas mãos nos diálogos, Anna (Julia Roberts) se apoia no autocontrole e independência para maturar estas mesma relações. E o poderoso coadjuvante Larry (Clive Owen), introduzido de maneira tão descomprometida e bem construída na acidental ordem de tudo, desenrola pelo carnal sua combatente racionalização do amor e de como as pessoas podem tão facilmente senti-lo, destruí-lo e reconstruí-lo com um par de decisões.

Isolando os três da trama principal, forma-se uma tríade muito sensata de pessoas reais vivendo um triângulo abusivo silencioso dentro desta mesma modernidade plástica. Visceral como são nos diálogos, tomam suas decisões individuais com a motivação clara e intransigente da personalidade que assumem no começo da trama. Nenhum personagem muda radicalmente em Closer – Perto Demais, o que acontece, contudo, é uma fatal hipérbole do que eles já representavam que mais tarde é rasgada e mostrada ao público na sua mais íntima demonstração. Feridos e gastos pelo roteiro de Maber que os sangrou, não se importam em cauterizar precariamente os buracos em quem são. É nesse momento da trama, mais precisamente pela segunda metade dela, que o filme assume o seu cume dos diálogos geniais e de tão profundo significado para explicar toda a narrativa ali abandonada. O reforço dessas falas de tão pouca importância, já que são curtas e bem efêmeras, toma uma grandiosidade vital quando viram tatuagens para quem as escuta e quem as profere.

O prático ”eu te amo” dos melodramas é em Closer – Perto Demais uma facada ora silenciosa, ora anunciada. Cada relacionamento é fadado a ter um fim terrivelmente debilitante para ambas as partes (e um pouco além delas), não levando consigo importâncias ou grandes significados. Esse corte feito com tanta facilidade pelas personalidades só serve para ilustrar com mais contraste a insegurança de cada um, embora em níveis diferentes e que nunca se encontram em real balanço. Por um momento as partes de um relacionamento assumem interdependência, mas sentem falta da segurança de um outro na ausência dela. Em outras situações, o desregrado arbítrio dos casais passa a servir como arma para que com ela cacem as próprias ambições. E se não caçam em isolamento, mineram e refinam o que encontram em potencial. O jogo de interesses, ainda que omisso e comportado na primeira metade do filme, não demora para encher a sala onde eventualmente todos se afogam.

Como personagem fundamental para retratar a inconsequência clara de relacionamentos assim direcionadas, a personagem de Natalie Portman preserva a natureza jovem e ignorante ao jogo, embora astuta ao que acontece de novo dentro dele. Ainda que seja a mais atingida pelas mudanças laterais dele e se subalterne a Daniel Wolff com a ideia de que o perfeito pode ser o agora, o protagonista faz dela uma ferramenta usada em sua própria busca pelo real. Com a previsível reviravolta de que mais tarde todos os envolvidos descobrem o quão fajutos são seus sentimentos, Alice passa a representar em sua personagem o descartável que desabrocha para o novo, ainda que amassado. Nada se renova na trama, tudo se compele a progredir dentro do mesmo desejo rotativo dos quatro. É canalizada por Alice, contudo, a absorvente principal dos erros e das fugas dos outros três. A mais ferida enquanto mais impermeada criatura é, ironicamente, o grande mote de todos os acontecimentos da trama. Sua presença ameaça, instiga e naturalmente inspira o novo. No longa, portanto, se torna a responsável por engrenar e manter o eixo girando de personagens que a mantém à sua sombra, mas não a esquecem.

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Na busca pelo real dentro da corrente de inspirações falsas que saem destas relações, o drama em Closer – Perto Demais consegue oferecer ao público a experiência mais simplória de uma retratação animalesca dos relacionamentos humanos na modernidade. Predando na dependência do outro, visando um compromisso ilusório ou projetando um grande final, qualquer um dos personagens, independente de suas motivações primárias, sonha com uma estagnação propícia para o que querem. Mais tarde, isso se torna negociável, e mais tarde que isso, percebem que a única maneira de terem algo próximo ao que desejam é desapegando dele e entregando-se ao acaso. E no longa, a aparição do acaso é tão inexistente quanto a despreocupação com os amores. Ele existe, sempre está ali, mas ninguém ousa tocá-lo pelo medo de perder o grande jogo.

O debate que o filme traz é profundamente válido dentro das questões que fazem de homens e mulheres seres humanos. Com sentimentos, virtudes e possuidores desta célula tão mutável do amor dentro de si, todos estão sujeitos a mudar em grandiosidade para o que são na busca pelo que querem. Quem não muda e se sujeita a viver ao lado de alguém que não tomou a mesma decisão, inevitavelmente acaba mudando com a força que ela tem e as importâncias que compreende. A mensagem mais importante, contudo, é a de que o jogo é tão falso quanto os jogadores e as cartas utilizadas. Sádico e igualmente realista como é, só é fruto de uma concepção humana egoísta e que não se importa realmente em provar o amor, já que declará-lo já é o suficiente para acorrentar uma falsa fidelidade do outro. Trágico, vazio e profundo, Closer – Perto Demais debate o lado sujo e torrencial do amor como nenhuma outra obra teve a ousadia de fazer.