Crítica | Caminhos da Memória (Reminiscene) [2021]

Nota do filme:

Caminhos da Memória marca a estreia de Lisa Joy na direção e roteiro de longa-metragem, uma vez que a cineasta assinava apenas roteiro de seriados, como Pushing Daisies, Burn Notice e Westworld. Cocriadora de Westworld, trouxe da série duas grandes atrizes para abrilhantar o elenco do filme: a competente Thandiwe Newton (Emily “Watts” Sanders) e, em poucas cenas, mas eficiente, Angela Sarafyan (Elsa Carine).

A história se passa em um futuro distópico no qual Miami sofreu severas consequências com o aquecimento global e tornou-se praticamente submersa. Realidade na qual as pessoas têm a chance de reviver suas memórias de forma palpável, por meio do “tanque”, uma espécie de máquina, que lembra o modo como ficavam os chamados “Precogs” em Minority Report (Spielberg, 2002).

Nick Bannister (Hugh Jackman) é o responsável por navegar na mente dos clientes e acessar suas memórias, trazendo à tona momentos vividos e dando aos usuários, assim, a chance de revivê-los. Ele mora nos extremos da afundada costa de Miami e sua vida muda completamente quando ele aceita uma nova cliente chamada Mae (Rebecca Ferguson).

Tal qual Cinderela, que perde seus sapatinhos de cristal e faz o príncipe correr uma vila enlouquecido pela dona dos pés que se encaixem perfeitamente neles, Mae deixa seus “brincos da sorte” para trás e, com isso, provoca a desculpa perfeita para Bannister ir ao seu encontro.

O primeiro ato serve de forma didática e competente para explicar como o mundo se tornou um lugar que vive praticamente embaixo da água. E, também, desenvolve um pouco os personagens, como revelar o caráter de mocinho de Nick ao evitar olhar o corpo nu de Mae, mulher que aparece de forma misteriosa e mantém o enigma até o fim da obra.

Miami foi uma escolha interessante para a história. Conhecida por ser um local ensolarado com belas praias, centro turístico dos Estados Unidos, aqui se apresenta feito um submundo de corrupção e escuridão, onde as pessoas precisam lutar para sobreviver. O choque da contradição ajuda o espectador a entender o caos formado pela invasão da água.

O longa utiliza elementos neonoir: Mae é a femme fatale de caráter duvidoso, que após sumir sem explicações transforma Nick em um investigador nato atrás de seu paradeiro, em meio a um submundo de crimes, drogas e violência. Sem informações de sua amada, ele segue atrás de cada pequena pista deixada determinado a encontrá-la. Uma questão simples se torna uma perigosa obsessão: enquanto Bannister luta para desvendar o desaparecimento da mulher que ama, ele descobre uma conspiração violenta.

O filme combina elementos de gênero além do neonoir: thriller, distopia, ficção científica e romance, em um conjunto amarrado, fácil de apreciar. O deleite deve-se não apenas à reunião de ingredientes bem executados, mas também pela bela fotografia e pelo enredo repleto de reviravoltas, com uma paixão aparentemente platônica de pano de fundo, mas que é a força que move a trama.

Contudo, a obra não se esquiva de problemas, o segundo ato se prolonga e torna a narrativa cansativa. O enredo força em algumas situações deixando pouco plausíveis certas passagens, como um tiroteio que passa despercebido pela polícia, que saberia facilmente os autores do crime e tal fato não é sequer tratado, revelando-se um descuido de roteiro. Já o elenco é afiado e mostra uma ótima química juntos, com a ótima Thandiwe Newton roubando a cena.

Escrito e dirigido por uma mulher, é gratificante ver uma personagem feminina salvar o protagonista em perigo, ao invés do herói salvar a mocinha, como sói acontecer. Além desse momento significativo, há uma cena que chama a atenção: a heroína do filme leva de presente flores ao amado e bebida alcoólica à amiga. São pequenas circunstâncias que apontam para uma ruptura bem-vinda dos estigmas de gênero.

Por esse motivo e pela trama emaranhada, mas satisfatória, um ótimo elenco e uma linda fotografia, com cores frias inundando uma Miami suja e corrupta, a cineasta estreia na direção com potencial, deixando no espectador a vontade de ver mais do que ela tem a oferecer à magia do Cinema.

Caminhos da Memória estreia em 19 de agosto nos cinemas.

Direção: Lisa Joy | Roteiro: Lisa Joy | Ano: 2021 | Duração: 116 minutos | Elenco: Hugh Jackman, Rebecca Ferguson, Thandiwe Newton, Cliff Curtis, Marina de Tavira, Daniel Wu, Mojean Aria, Brett Cullen, Natalie Martinez, Angela Sarafyan, Javier Molina, Sam Medina, Norio Nishimura, Roxton Garcia, Giovannie Cruz.