Crítica | Blue Jay (2016)

A Netflix está cada vez mais apostando em produções próprias. Até mesmo o Oscar passou a olhar com mais atenção para o catálogo do serviço de streaming nos últimos anos. Na premiação de 2018, inclusive, a marca chegou ao topo e levou uma estatueta para casa, com o documentário Ícaro. A bem da verdade, há títulos caseiros de grande expressão no acervo, como Beasts of No Nation, Okja e Já não Me Sinto em Casa Nesse Mundo. Contudo, uma de suas joias mais preciosas permanece esquecida sob a sombra. Estou falando de Blue Jay, um longa simples e com orçamento discreto, mas riquíssimo em dramaturgia.

A modesta pretensão da obra já começa pelo plot, que fala sobre um casal que se encontra em um mercado após anos sem se ver. E diante desse encontro inesperado, os dois decidem passar o resto do dia juntos, a fim de colocar a conversa em dia e relembrar a relação que tiveram na juventude. Outro fator que colabora para a simplicidade da produção é a escolha de um diretor estreante (Alex Lehmann), além do pequeno elenco, composto apenas por dois atores: Mark Duplass (o protagonista do terror Creep) e Sarah Paulson (conhecida pela série American Horror Story).

A começar pelas atuações, já é possível afirmar que Blue Jay é uma obra injustiçada pelo público. Embora sejam dois atores que nunca trabalharam em uma superprodução, ambos mostram uma técnica acima da média. Sarah (personagem Amanda) consegue contagiar o espectador com o sorriso inocente, o modo como olha para o vazio e o tom de voz maleável – que revela os sentimentos escondidos no âmago. Esta última qualidade também está presente em Mark (personagem Jim), um sujeito que fala muito sobre si através da forma como toca o pescoço, mexe na barba e caminha. Muito desse mérito se deve ao fato de que o próprio ator escreveu o roteiro.

Falando em roteiro, eis o segundo pilar do filme. Apesar da premissa minimalista, o texto carrega um sentimentalismo incrível. Enquanto Amanda demonstra felicidade com o presente e quer apenas fazer um tour pelo passado, Jim permanece vivendo no pretérito, insatisfeito com os dias atuais – essa informação já é dada logo na primeira cena, quando vemos dezenas de objetos que remetem à décadas anteriores na casa do personagem.  Durante os 85 minutos de duração, a estória vai construindo o background dos protagonistas degrau por degrau, cada vez descendo mais no interior de cada um, até chegar no porão, onde a sujeira está acumulada e alguns segredos estão escondidos.

O terceiro eixo que movimenta as engrenagens do longa está na fotografia (assinada pelo próprio diretor), que opta pelo preto e branco. Mas a escolha não é à toa. A falta de cor serve para cumprir duas funções: fortalecer o sentimento de Jim pelo presente – onde sua vida não tem cor – e provocar a sensação de nostalgia, principal tema da trama. A lente frequentemente utiliza a técnica do foco seletivo, para fortalecer o distanciamento do protagonista com o ambiente que o cerca. Para coroar o trabalho, a luz difusa, em ambientes abertos e fechados, complementa o clima que sustenta as cenas.

O cineasta Alex Lehmann, embora estreante, sabe impor seu estilo sem medo de errar pelo excesso. Há planos fechados e planos detalhes que sempre agregam algo à narrativa, como no momento em que a lente foca o dedo de Amanda, durante a cena da dança. Em outras ocasiões, a cidade é apresentada por simples imagens da natureza, frases de lojas ou pela arquitetura das casas, a fim de aumentar a intimidade de espectador com o local.

Blue Jay, dentro de sua pretensão, é um filme completo – atuações excelentes,  roteiro bem construído, direção marcante e fotografia fantástica. Embora pareça arrastado para alguns, é um filme tocante, que requer total atenção até o último ato, quando a paciência é recompensada por um desfecho que desperta diversos sentimentos.