Crítica | Billie Eilish: The World’s a Little Blurry (2021)

Nota do Filme:

“Dói até quando não dói.”
“Quando quebra várias vezes, quebrou. Mesmo curado, está quebrado.”

A cantora e compositora Billie Eilish é um dos maiores fenômenos no mundo da música. Com uma carreira iniciada na adolescência, lançou um disco extremamente elogiado em 2019 e, aos 18 anos, fez história na 62ª edição do Grammy Awards ao levar os principais prêmios da noite. Com recordes, sucessos e uma imensa base de fãs, tornou-se o centro de Billie Eilish: The World’s a Little Blurry, registro que acompanha em detalhes sua curta, porém intensa trajetória até o momento.

O responsável por comandar a produção é o experiente R. J. Cutler, cujo trabalho anterior havia sido um documentário sobre John Belushi. O que se torna curioso, pois, em Belushi, uma das propostas era traçar um perfil que contribuísse para mapear a identidade do protagonista através de suas múltiplas dimensões, sendo que algo semelhante ocorre aqui. Uma escolha que, se por um lado é desafiadora (o distanciamento histórico proporciona maior segurança ao abordar o legado do comediante, falecido há quase quarenta anos), por outro é acessível (é possível seguir de perto e em tempo real o que se passa no dia a dia da cantora).

O grande mérito de Cutler reside em criar um mosaico de situações cotidianas aparentemente banais que, à medida que o filme avança, se entrelaçam, estabelecendo fortes relações umas com as outras. Ademais, o peso de tais instantes segue uma progressão em termos de relevância, o que atesta uma enorme disciplina na ordenação das cenas. Assim sendo, se no início as conversas francas que Eilish tem com Finneas (seu irmão mais velho e principal colaborador artístico) parecem apenas denotar uma intimidade natural desenvolvida com alguém que ela conhece desde que nasceu, posteriormente isso se revela parte integrante da personalidade da jovem. Sem contar que muito do que surge na primeira metade do longa serve de prenúncio do que será retomado adiante, porém com significado maior, como as páginas de um diário ou um comentário sobre um carro.

Mais acertos estão nas ocasiões que incluem os carismáticos pais da protagonista. Seja estampando as compreensíveis preocupações com o bem-estar da filha, seja desvendando a atmosfera da criação que lhe foi proporcionada, tudo o que envolve a vida familiar é inserido com esmero. E aqui merece destaque a mãe, Maggie Baird, que rouba a cena em todas as vezes que aparece, além de oferecer excelentes reflexões de cunho político-econômico (ao ressaltar que Eilish foi criada no contexto da crise de 2008, elemento que influenciaria suas composições e visões de mundo) e social (quando disserta a respeito da importância de um núcleo familiar estável para uma criança, utilizando como exemplo Justin Bieber – cuja presença, aliás, concede um dos momentos mais tocantes da história).

Chega a ser admirável a crueza com que certas passagens são abordadas, que faria muitos relações públicas pigarrearem. Temas delicados, incluindo depressão, saúde mental e ideação suicida são discutidos abertamente e com tamanha maturidade que é comum nos esquecermos de que estamos diante de alguém que ainda está na transição para a vida adulta. Também não há pudor em mostrar a garota apresentando posturas que poderiam (e podem) ser vistas como mesquinhas ou arrogantes, mas – felizmente – o diretor possui tranquilidade o suficiente para compreender que isso não torna sua retratada em antipática, apenas em… humana. E, claro, não faltam instantes de doçura que nos lembram da pouca idade da moça, como sua empolgação para tirar carteira de motorista, ou o desconhecimento sobre quem é certo ator famoso, ou as aflições amorosas.

Tudo isso transforma o trabalho de montagem em um feito impecável, com cortes que revelam a exaustão e a dinâmica envolvidas nos processos de criação. Ou então a quantidade de vezes em que inúmeros celulares são direcionados para a figura central, ora servindo para registrar as mudanças no modo como passamos a acompanhar shows, ora simbolizando verdadeiros canhões.

No documentário Oasis: Supersonic, Noel Gallagher diz que “as pessoas nunca, nunca, nunca esquecerão a maneira como você as fez sentir. Há uma química entre a banda e o público, há algo magnético atraindo os dois um ao outro. O amor, a vibração, a paixão, a raiva, a alegria que vêm da multidão. Se éramos alguma coisa, era isso. Billie Eilish manifesta incorporar um espírito semelhante, com uma obsessão pelo perfeccionismo que vem, em parte, de aspectos psicológicos, mas, sobretudo, da compreensão do impacto que é capaz de causar nas vidas de seus fãs, e de um gigante desejo de entregar o seu melhor. É justamente isso que testemunhamos assistindo ao filme que conta (parte de) sua trajetória, e resulta em uma obra corajosa, divertida, ágil, profundamente honesta e comovente em diversas passagens. E o fato de que todos esses adjetivos também poderiam ser empregados à cantora já demonstra o êxito obtido pelo cineasta.