Crítica | Bate Coração (2019)

Nota do Filme:

Com o roteiro inspirado nas peças teatrais de Ronaldo Ciambroni – “Acredite, um Espírito Baixou em Mim” e “O Coração Safado” –, Bate Coração, longa do diretor Glauber Filho, acompanha as histórias de Sandro (André Bankoff), um publicitário conquistador e preconceituoso, e a de Isadora Sunshine (Aramis Trindade) um travesti, dono de um salão de beleza. Na noite de Réveillon, Sandro sofre um ataque cardíaco e precisa fazer um transplante com urgência. Ele acaba recebendo o coração de Isadora, que morre na mesma data, vítima de um atropelamento.

Após o transplante, Isadora, em espírito, passa a seguir os passos do publicitário. Enquanto isso, Sandro começa a perceber mudanças de comportamento e a enxergar o mundo de um modo diferente. No entanto, a alteração no jovem se resume a maneirismos mais afetados, com uma tendência homossexual, mas pouco diz respeito à mudança na índole ou moral do protagonista.

O filme remete a uma composição espiritual desde o início com um plano alto e uma voz ao fundo falando sobre evolução da alma. A estratégia de mostrar a cidade de cima para demonstrar que é um espírito narrando não é original,  mas por vezes, funciona, com planos bonitos e bem executados.

A apresentação dos personagens é efêmera. Alguns são bem caricatos: o cafajeste rico, a médica durona, os travestis alegres e simpáticos, o amigo bobo. As pessoas do círculo de Isadora são reveladas com uma música alegre e cores vibrantes: Vera, sua grande amiga e ex-esposa (Germana Guilhermme), com quem ele dividia o salão e as amigas, Madeinusa (Dênis Lacerda) e Laysa (Patrícia Dawson), dois animados travestis.

Enquanto ao redor de Sandro, basicamente, só tem o amigo Ígor (Paulo Verlings) e o suposto interesse amoroso, Dra. Cláudia (Heloísa Jorge), a médica que o opera. Ela surge, inicialmente, em uma cena forçada, apenas para mostrar que está infeliz com os homens, como diz, está: “cansada de acreditar em príncipe encantado”. Há a tentativa, sem êxito, de se formar um par romântico entre o publicitário e a médica, mas falta entrosamento entre os dois que evidencie uma relação afetuosa, tampouco há química ou indício de envolvimento sentimental e um relacionamento entre os dois parece involuntário e artificial.

Ao tentar tratar de vários temas ao mesmo tempo, como espiritualidade, doação de órgãos, preconceito e transfobia, o roteiro se perde, deixa furos e não convence. A ideia é plausível e merece elogios, mas a obra não alcança a execução pretendida. Não se aprofunda em nada e deixa perguntas relevantes sobre a trama sem resposta, como no momento em que Sandro pergunta para a médica se “o coração pode ter memória” e a cena é cortada e não respondida, o que reflete toda a obra: o que o roteiro não consegue explicar, passa para a próxima ação e deixa o espectador “no vácuo”.

Bate Coração é rico em referências a outros filmes e tem uma premissa interessante, mas revela um roteiro preguiçoso, uma narrativa que se arrasta, com os fatos jogados para obter um resultado desejado, mas sem explicação que o sustente. Exemplo disso é o caso da desavença entre Cassandra (Ilvio Amaral) e Isadora. Aquela reclama por esta tê-la abandonado no palco e a partir disso a amizade entre ambas ter acabado, quando era suficiente que Isadora explicasse os motivos do abandono e pedisse perdão. O enredo leva a crer que o travesti teria motivos fortes para o ato, mas o longa acaba e esse segredo não fica claro.

Os momentos cômicos não têm o timing necessário e aos dramáticos falta emoção. A exceção fica por conta do desabafo de Isadora, nos momentos finais, que interpreta o texto com sensibilidade. O que mais parece funcionar é a preocupação com o tema tratado, em transmitir uma mensagem de tolerância e de combate ao preconceito. Os personagens não são bem desenvolvidos e, aqui, perde-se uma ótima oportunidade na construção de Sandro e Ígor, dois homens preconceituosos, que costumam objetificar as mulheres e que podiam sofrer mudanças mais substanciais na personalidade, uma vez que a proposta é a transformação dessas figuras.

O longa se vale de ideias soltas para facilitar a narrativa, mas não amarra as pontas e deixa tudo muito vago e incoerente. Ao tentar produzir uma história comovente e de redenção se perde e transmite mensagens positivas sobre a doação de órgãos e a tolerância, mas que soam forçadas e panfletárias. O tema é válido e relevante, mas a execução fracassa e não emociona.

Bate Coração estreia em 07 de novembro nos cinemas.

Direção: Glauber Filho | Roteiro: Glauber Filho, Daniel Dias, Ronaldo Ciambroni | Ano: 2019 | Duração: 94 minutos | Elenco: Aramis Trindade, André Bankoff, Heloísa Jorge, Germana Guilhermme, Dênis Lacerda, Patrícia Dawson, Paulo Verllings, Brenno Leone, Daniel Dias, Laura Paiva, Ilvio Amaral, Marianna Armellini, Maurício Canguçu, Larissa Goes, Fabíola Liper.