Nota do Filme:
Com o roteiro inspirado nas peças teatrais de Ronaldo Ciambroni – “Acredite, um Espírito Baixou em Mim” e “O Coração Safado” –, Bate Coração, longa do diretor Glauber Filho, acompanha as histórias de Sandro (André Bankoff), um publicitário conquistador e preconceituoso, e a de Isadora Sunshine (Aramis Trindade) um travesti, dono de um salão de beleza. Na noite de Réveillon, Sandro sofre um ataque cardíaco e precisa fazer um transplante com urgência. Ele acaba recebendo o coração de Isadora, que morre na mesma data, vítima de um atropelamento.
Após o transplante, Isadora, em espírito, passa a seguir os passos do publicitário. Enquanto isso, Sandro começa a perceber mudanças de comportamento e a enxergar o mundo de um modo diferente. No entanto, a alteração no jovem se resume a maneirismos mais afetados, com uma tendência homossexual, mas pouco diz respeito à mudança na índole ou moral do protagonista.
O filme remete a uma composição espiritual desde o início com um plano alto e uma voz ao fundo falando sobre evolução da alma. A estratégia de mostrar a cidade de cima para demonstrar que é um espírito narrando não é original, mas por vezes, funciona, com planos bonitos e bem executados.
A apresentação dos personagens é efêmera. Alguns são bem caricatos: o cafajeste rico, a médica durona, os travestis alegres e simpáticos, o amigo bobo. As pessoas do círculo de Isadora são reveladas com uma música alegre e cores vibrantes: Vera, sua grande amiga e ex-esposa (Germana Guilhermme), com quem ele dividia o salão e as amigas, Madeinusa (Dênis Lacerda) e Laysa (Patrícia Dawson), dois animados travestis.
Enquanto ao redor de Sandro, basicamente, só tem o amigo Ígor (Paulo Verlings) e o suposto interesse amoroso, Dra. Cláudia (Heloísa Jorge), a médica que o opera. Ela surge, inicialmente, em uma cena forçada, apenas para mostrar que está infeliz com os homens, como diz, está: “cansada de acreditar em príncipe encantado”. Há a tentativa, sem êxito, de se formar um par romântico entre o publicitário e a médica, mas falta entrosamento entre os dois que evidencie uma relação afetuosa, tampouco há química ou indício de envolvimento sentimental e um relacionamento entre os dois parece involuntário e artificial.
Ao tentar tratar de vários temas ao mesmo tempo, como espiritualidade, doação de órgãos, preconceito e transfobia, o roteiro se perde, deixa furos e não convence. A ideia é plausível e merece elogios, mas a obra não alcança a execução pretendida. Não se aprofunda em nada e deixa perguntas relevantes sobre a trama sem resposta, como no momento em que Sandro pergunta para a médica se “o coração pode ter memória” e a cena é cortada e não respondida, o que reflete toda a obra: o que o roteiro não consegue explicar, passa para a próxima ação e deixa o espectador “no vácuo”.
Bate Coração é rico em referências a outros filmes e tem uma premissa interessante, mas revela um roteiro preguiçoso, uma narrativa que se arrasta, com os fatos jogados para obter um resultado desejado, mas sem explicação que o sustente. Exemplo disso é o caso da desavença entre Cassandra (Ilvio Amaral) e Isadora. Aquela reclama por esta tê-la abandonado no palco e a partir disso a amizade entre ambas ter acabado, quando era suficiente que Isadora explicasse os motivos do abandono e pedisse perdão. O enredo leva a crer que o travesti teria motivos fortes para o ato, mas o longa acaba e esse segredo não fica claro.
Os momentos cômicos não têm o timing necessário e aos dramáticos falta emoção. A exceção fica por conta do desabafo de Isadora, nos momentos finais, que interpreta o texto com sensibilidade. O que mais parece funcionar é a preocupação com o tema tratado, em transmitir uma mensagem de tolerância e de combate ao preconceito. Os personagens não são bem desenvolvidos e, aqui, perde-se uma ótima oportunidade na construção de Sandro e Ígor, dois homens preconceituosos, que costumam objetificar as mulheres e que podiam sofrer mudanças mais substanciais na personalidade, uma vez que a proposta é a transformação dessas figuras.
O longa se vale de ideias soltas para facilitar a narrativa, mas não amarra as pontas e deixa tudo muito vago e incoerente. Ao tentar produzir uma história comovente e de redenção se perde e transmite mensagens positivas sobre a doação de órgãos e a tolerância, mas que soam forçadas e panfletárias. O tema é válido e relevante, mas a execução fracassa e não emociona.
Bate Coração estreia em 07 de novembro nos cinemas.
Direção: Glauber Filho | Roteiro: Glauber Filho, Daniel Dias, Ronaldo Ciambroni | Ano: 2019 | Duração: 94 minutos | Elenco: Aramis Trindade, André Bankoff, Heloísa Jorge, Germana Guilhermme, Dênis Lacerda, Patrícia Dawson, Paulo Verllings, Brenno Leone, Daniel Dias, Laura Paiva, Ilvio Amaral, Marianna Armellini, Maurício Canguçu, Larissa Goes, Fabíola Liper.
Apaixonada por filmes e séries, queria transformar o mundo em um lugar melhor, deitada na minha cama, ligada na TV.
“Sou só uma garota ferrada procurando pela minha paz de espírito.” Kruczynski, Clementine (Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças).