Crítica | Bacurau (2019)

Bacurau tem que aparecer no mapa.”

Plínio (Wilson Rabelo)

Nota do Filme:

É inovador e surpreendente o thriller marcante dirigido pelos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Com uma atmosfera sertaneja e, ao mesmo tempo pegada futurista, Bacurau veio para somar no Cinema Pernambucano, recebendo o Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2019. O longa não escapa ao estilo de KMF, que usa momentos tensos para criar expectativas em torno da cena, com tom de suspense, onde se observa forte inspiração de Tarantino. Tal qual o famoso cineasta hollywoodiano, percebe-se que Mendonça se inclina a fazer uma sensível ligação entre seus filmes.

Nesse sentido, embora sutil, é interessante observar o elo entre as outras obras do diretor pernambucano (que também conta com Dornelles na produção). Em O Som ao Redor há um personagem que aparece rapidamente chamado Pacote (Bruno Negaum) e em Bacurau o Pacote (Thomás Aquino) é um dos protagonistas. Sônia Braga participa dos dois últimos longas e em ambos sua personagem tem um sonho com base nos acontecimentos dos filmes. O cerne da trama que envolve Aquarius faz parte da história de uma jovem (Irma Brown) em O Som ao Redor. Manifesta a conexão entre os longas.

Bacurau acompanha um povoado no oeste de Pernambuco, daqui a alguns anos (emblema futurista), que sofre com o desabastecimento de água e de mantimentos para a população. A chegada de dois forasteiros em uma moto intriga os moradores e dá início à verdadeira trama. Não demora muito para a narrativa ganhar um ar de estranheza e mistério, quando algumas mortes começam a surgir. Na medida em que os eventos insólitos ocorrem, público e personagens aos poucos vão descobrindo juntos que algo está fora do normal.

O primeiro ato se presta a levantar questões e apresentar as pessoas do vilarejo e a estrutura criada para dar proteção à população, unida como um só povo. Bacurau deixa de aparecer nos mapas e os locais querem provar que isso não significa que seja terra sem dono. A pequena comunidade precisa mostrar que a união faz a força. O segundo ato responde aos questionamentos versados e revela os vilões da história, incorporando um estilo de “filme B” americano. Surge também a figura do anti-herói e cresce o sentimento de pertencimento àquele lugar, quando a comunidade precisa criar coletivamente um meio de defesa e identificar o inimigo.

Os personagens possuem uma dinâmica vital para a narrativa, tendo em vista que não há, necessariamente, um protagonismo individual, de modo que todos se destacam e têm importante função na trama. Os vilões são propositadamente caricatos para se aproximar com a ideia do gênero. No momento mais clichê do filme, em que se quer passar um tom de moralidade a um dos sádicos vilões, a intenção é homenagear o estilo que no momento se está abraçando. Porém, chega a gastar tempo desnecessário com esses antagonistas em momento nos quais poderia desenvolver mais a relação entre os personagens da cidade.

O terceiro ato é frenético, com toques trash e muita ação, mas não perde o “regionalismo” e a atmosfera do sertão volta nos instantes finais, arrebatando a história de forma visceral. A linguagem popular e as atuações naturais, assim como a “má política”, comum às cidades do interior, contribuem para uma maior imersão à obra, tendo em vista que a deixam com mais veracidade. No entanto, a ideia pitoresca foge ao comum, trazendo mais brilhantismo ao enredo e prendendo o espectador.

Uso de psicotrópicos, figuras de anti-herói, assassinatos infundados e cenas gore não é o que se espera de uma história no sertão nordestino, o que torna a obra ainda mais interessante: como consegue cruzar esses elementos e passar harmoniosamente por diferentes gêneros, desde thriller, ficção científica, ação a pitadas de comédia regional e, ainda, criar uma identidade própria. Uma vez imerso no roteiro, a narrativa flui e ganha ritmo, com um apanhado de suspense, terror e cenas gore, galgando um realismo fantástico no sertão do Brasil, mas sem deixar de fazer sua crítica política e social.

A trilha sonora aqui é de extrema importância: confere dinâmica à obra e cria significação para as cenas, em que até o barulho das enxadas provoca musicalidade. Não só o som é importante, mas também o cenário, que contribui para trazer mais beleza à película. KMF sempre consegue extrair atuações naturais do elenco e Bacurau segue essa regra. Udo Kier na pele de vilão, como de costume, brilha, mas não tira a luz dos demais. Todos estão em ótimas performances e com excelente química entre si.

O longa deixa algumas pontas soltas, mas a intenção talvez seja essa, não amarrar a narrativa para o complemento ficar a cargo da imaginação do público. E com uma mistura harmoniosa de gêneros e a singularidade do roteiro, a saga do pequeno povoado no oeste pernambucano ficará muito tempo no imaginário popular. A despeito da excentricidade do roteiro, o emblemático Bacurau não deixa de ser uma história de luta e esperança que encanta e surpreende trazendo uma bela novidade para o cinema brasileiro.

Bacurau estreia em 29 de agosto nos cinemas.

Direção: Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles | Roteiro: Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles | Ano: 2019 | Duração: 132 minutos | Elenco: Bárbara Colen, Sônia Braga, Udo Kier, Thomás Aquino, Silvero Pereira, Thardelly Lima, Wilson Rabelo, Carlos Francisco, Luciana Souza, Karine Teles, Jonny Mars, Antonio Saboia, Lia de Itamaracá, Danny Barbosa, James Turpin, Buda Lira, Fabíola Liper, Clebia Sousa, Brian Townes, Ingrid Trigueiro.