Crítica | Apenas uma Vez (Once) [2007]

Nota do filme:

“Como se diz em tcheco: ‘Você o ama’?”

Cara

Nota: 4/5

Apenas uma Vez acompanha um músico e compositor (Glen Hansard) não nomeado que toca pelas ruas de Dublin, ao mesmo tempo em que mantém um trabalho fixo como reparador de aspiradores de pó na loja de seu pai. Após conhecer uma pianista tcheca (Markéta Irglová), também jamais nomeada, se ajudam na confecção de um disco demo para que ele possa levar a Londres e, assim, tentar assegurar um contrato musical com alguma produtora.

Além dos aspectos técnicos, os quais serão abordados mais à frente, a função primordial de um longa metragem é, justamente, a conexão emocional com aquele que o assiste. Nesse sentido, raros são os filmes que podem se dar ao luxo de ser tão simples em sua execução a ponto de se conectarem à sua audiência em um nível tão fundamental quanto este.

Apenas uma Vez foi o primeiro filme que atraiu atenção ao diretor/roteirista John Carney, hoje mais conhecido por longas como Mesmo se Nada der Certo e Sing Street: Música e Sonho. Percebe-se, em uma rápida análise de sua filmografia, que sabe, como poucos, mesclar a música à narrativa, criando histórias sentimentais que não se sustentam unicamente em performances musicais, mas sim se aproveitam destas para criarem momentos marcantes que acompanham o espectador após o subir dos créditos finais.

Aqui, impossível não destacar o caráter intimista que Carney imprime em sua obra, muito em razão, inclusive, do baixíssimo orçamento do qual dispunha – estima-se US$ 150.000,00. Apenas para fins comparativos, destaca-se que o orçamento estimado de Mesmo se Nada der Certo é de US$ 8.000.000,00, isto é, mais de cinquenta vezes maior do que o anterior.

A narrativa em si se mantém simples, sendo não apenas um conto sobre o relacionamento entre os dois protagonistas, mas mais importante, uma história de aceitação. Desprovido dos clichês tão inerentes ao gênero, Apenas uma Vez traz apenas o fundamental à tela. Tal simplicidade, aliada ao realismo da obra, impede resoluções mirabolantes para fatores externos. Isto é, ao contrário de muitos filmes desta categoria, a narrativa vai além dos conceitos padronizados, nos fazendo questionar, até mesmo, o que de fato determina um “final feliz”.

Entrando, agora, na seara relacionada à atuação, é interessante notar que o papel de destaque masculino, que originalmente era visionado para Cillian Murphy, ficou com Glen Hansard, responsável, junto de Markéta Irglová, pelas músicas. Irglová era, à época, uma atriz não profissional e, por mais que Hansard já tivesse atuado em um pequeno papel de suporte em um filme em 1991, dezesseis anos antes do lançamento deste filme, considerava-se também um ator não profissional, justamente pela falta de efetiva experiência na área.

Todos esses fatores são perceptíveis em seus 86 minutos de duração, contudo, jamais arrastam o filme, muito pelo contrário. Justamente por se tratar de um conto intimista, essas supostas restrições parecem elevar a história, inserindo nela um realismo de outra maneira inalcançável. Nesse sentido, é interessante notar até como a ausência dos devidos alvarás para filmar nas ruas de Dublin parece ter conspirado a favor dos envolvidos, uma vez que forçou a equipe a utilizar teleobjetivas, o que diminuiu a pressão nos atores não profissionais do longa e, novamente, reforçou a sensação no espectador de estar assistindo a algo íntimo e quase real, em oposição à uma produção cinematográfica.

Tratando-se de um musical, certo é que seria impossível falar de Apenas uma Vez sem mencionar sua ótima trilha sonora. Com letras e melodias que perfeitamente complementam a narrativa, foi, inclusive, premiado com o Oscar de Melhor Música na premiação de 2008, por Falling Slowly.

Sendo assim, Apenas uma Vez excede, em muito, o que se espera do gênero. Uma produção que, ao abraçar as próprias limitações externas, conseguiu crescer de modo quase imprevisível. Com duas performance extremamente emotivas, ainda que não tecnicamente excepcionais, e ótimas músicas condizentes com os temas da obra, o resultado é um filme sensível com o qual um incontável número de pessoas poderá se emocionar.