Crítica – An Accidental Studio (2019)

Nota do Filme:

“Não estou interessado em dizer a alguém o que fazer.” George Harrison

Fundada no final de década de 1970 por George Harrison e Denis O’Brien, inicialmente como uma produtora e distribuidora cinematográfica para possibilitar o lançamento de A Vida De Brian (1979), clássica comédia do Monty Python que havia tido seu financiamento rejeitado pela EMI Films, a HandMade Films acabaria se tornando um símbolo da revitalização do cinema britânico na década de 1980, responsável por obras como A Noite do Terror (1980), Os Bandidos do Tempo (1981), Chamas da Morte (1981), Mona Lisa (1986), Os Desajustados (1987) e Uma Estrada Sem Limites (1988), além de ter sido fundamental para as carreiras de atores como Bob Hoskins e Richard E. Grant.

Já sugerido no título da produção, An Accidental Studio revela como muito do que partiu da companhia não foi resultado de casos excessivamente pensados ou do cálculo de múltiplas estratégias empresariais, mas sim fruto de uma vontade insaciável de fazer novos filmes e que encontrava uma autorização imediata. Assim, os sucessos – e os fracassos – da HandMade podem ter seu mantra resumido por Harrison em determinado momento da projeção: se algo é realmente bom, merece ser feito.

O ex-Beatle, a propósito, tem aqui uma admirável faceta apresentada ao público, com seu fascínio pela sétima arte e uma paixão quase sem limites para estimular a criação artística (ele chegou a hipotecar sua casa para financiar A Vida de Brian). E embora fosse o principal nome da produtora, sem a qual muitos daqueles projetos talvez sequer saíssem do papel, o músico nunca procurou chamar demais a atenção para si ou evidenciar seu protagonismo, o que fica claro não só nos depoimentos, mas também nas imagens de arquivo que registram algumas de suas entrevistas.

A estrutura adotada é a mais convencional possível quando pensamos em um documentário, isto é, cronológica. Assim, o longa passa pelo contexto de criação da produtora, suas origens, seu apogeu e, finalmente, os problemas que levaram ao rompimento da parceria entre Harrison e O’Brien. Além disso, é possível dividir a narrativa em “capítulos” que destacam os principais lançamentos ocorridos ao longo dos anos. Mas isso não chega, de modo algum, a ser um problema, uma vez que, mais do que simplesmente contar a história da empresa, os diretores Bill Jones, Kim Leggatt e Ben Timlett estão mais interessados em jogar uma luz sobre os processos envolvidos na composição daquelas obras e as características que faziam da HandMade algo diferente, objetivo que é atingido com sucesso.

Conseguindo também ser um retrato de uma época ao mesmo tempo que expõe as dificuldades que infelizmente ainda são encontradas pela produção cinematográfica independente, An Accidental Studio é um lembrete constante de que o Cinema é, acima de tudo, um fazer artístico. E que contar com a visão de um artista como George Harrison foi um dos privilégios que cinéfilos de todo o mundo puderam ter. Como faz falta.