Crítica | Alfa (Alpha) [2018]

Um famoso ditado no show business aconselha os atores (e a própria produção) a ”nunca trabalhar com crianças ou animais”. Felizmente, a atual tecnologia cinematográfica anula a antiquada sabedoria, evidente aqui quando Alfa captura o que deveria ser o primeiro incidente de seres humanos fazendo amizade com lobos selvagens. A paisagem dura e implacável da Era do Gelo constitui o pano de fundo para este conto fictício de como o jovem Keda (Kodi Smit-McPhee) é ferido e deixado para morrer após um acidente durante uma expedição de caça. Ao tentar voltar para casa, ele faz amizade com um lobo ferido, e ambos devem lutar contra os elementos e outros predadores para sobreviver à aparentemente destinada provação.

Se há uma qualidade a ser atribuída ao longa, esta é a ousadia. A pré e pós-produção sofreram um trabalho de concepção que muito claramente se junta em cada cena. E se o detalhismo e o cenário vivo à parte não convencerem o espectador mais atento, os passos dados pelas personagens irão. Poucos filmes hoje ousariam ter o único diálogo falado em um idioma desconhecido com legendas. Poucos filmes teriam o que parece ser uma história doce de menino e cachorro, mas que também contém realismo inflexível. Poucos deixariam muito do seu drama depender da sobrevivência simples, sem bandidos mal-intencionados, sem linguagem chula, sem história sinistra, e nem mesmo uma pitada de sexualidade. Poucos dependeriam tanto de um deserto bonito, mas brutal, e da amizade encantadora de um menino e um lobo.

Alfa é um filme visualmente bonito, com paisagens deslumbrantes e efeitos de captura panorâmica que explodem com a nova tecnologia IMAX. Em contraste com o realismo das paisagens, algumas das representações CGI de animais são um pouco confusas e irrealistas. Há crédito a ser dado aos cineastas por tentar retratar bestas que não estão mais vivendo, mesmo que a interpretação não seja perfeita. Neste aspecto, relativizar o quão contista e direto é Alfa é possível. O visual que conta a história existe aqui com um protagonismo intenso.  Pode-se dizer que pelo menos os cineastas estavam tentando ser precisos para o cenário, mas nada que alcance uma perfeição obsessiva com o já estampado detalhismo.

O período de tempo está listado como 20.000 anos atrás e o local é simplesmente chamado de Europa. É preciso direcionar o espectador ao entendimento de que a cosmovisão apresentada em Alfa é uma de uma velha terra. De maneira refrescante, os membros da tribo não são retratados como meros brutos, ou formalmente,  “homens das cavernas”. São pessoas inteligentes que meramente vivem em uma cultura primitiva trazida na trama.

O relacionamento entre pai e filho é fundamental para o filme. Chegam a quase parodiar a estrutura dos personagens Soluço e seu pai Stoico,  na animação Como Treinar seu Dragão, com os dois pais tendo grandes esperanças de que seus filhos sejam líderes fortes. Os filhos, no entanto, mostram sinais que seus pais interpretam como fraqueza até que seu verdadeiro valor seja mostrado. Na verdade, existem outros paralelos a essa franquia, especialmente em relação ao outro relacionamento principal em Alfa, sendo este entre Keda e o lobo.

Smit-McPhee é encarregado da maioria dos deveres de atuação, e o jovem ator prova que é capaz de se apresentar como o astro do filme, junto com sua charmosa co-estrela. É verdade que a exatidão factual está em debate – por exemplo, a quantidade de tempo necessário para que a confiança cresça entre Keda e seu companheiro canino é muito exagerada, mas essas liberdades cinematográficas são aceitáveis ​​dentro do âmbito do que o filme busca alcançar. A história em si é relativamente simples, o que pode ser previsível, mas funciona como uma fábula sobre como os cães se tornarammelhores amigos para os humanos, ou pelo menos uma deixa construtiva para isso. É também uma história de amadurecimento da dolorosa jornada de um menino na idade adulta, enquanto imaginamos como um sentimento de cuidado por uma espécie diferente da nossa veio a ser. Embora essa premissa possa parecer açucarada, a tonalidade deste filme é dificilmente sacarina, e não se esquiva de mostrar algumas das brutalidades dos tempos pré-históricos.

Mas essa Era do Gelo também é idealizada na direção de Albert Hughes como uma época de grande beleza natural, carinhosamente capturado em algumas vistas deslumbrantes de uma fragmentada e misteriosa Europa de 20.000 anos atrás. Cores vivas misturadas com terras áridas e estéreis criam uma sensação de admiração que é ampliada com as novas tecnologias. Mesmo que o enredo não seja inovador, há bastante cinematografia bem acabada e magia técnica em exibição para os espectadores mais exigentes serem significativamente engajados por outros vãos que não os da trama, diálogo ou personagens. Sua história no ritmo certo e centrada cai exatamente no conforto de um dos relacionamentos mais exclusivos que compartilhamos com nossos amigos peludos, tornando a visão do mundo dentro de Alfa essencial para todos os amantes de cães.