Crítica | Adoniran, Meu Nome é João Rubinato (2018)

Nota do filme:

Antes mesmo que qualquer cena apareça em tela, o primeiro contato que o espectador tem com Adoniran, meu nome é João Rubinato, documentário escrito e dirigido por Pedro Serrano, é a voz do próprio sujeito que dá título ao filme. A escolha narrativa faz sentido, uma vez que, nos cerca de noventa minutos que se seguem, a trajetória do artista será recuperada com depoimentos e imagens de arquivo, mas sobretudo através das palavras do próprio Adoniran.

Nascido em agosto de 1910, João Rubinato adotaria o nome artístico de Adoniram Barbosa e se tornaria um dos maiores sambistas brasileiros e, mais do que isso, ajudaria a moldar o imaginário popular da cidade de São Paulo, com composições como Trem das Onze, Saudosa Maloca e Samba do Arnesto. No entanto, embora associado a um estilo irreverente e despreocupado, a verdade é que a obra de Barbosa é mais complexa e multifacetada do que sua persona pode dar a entender em um primeiro momento. Letras tristes e carregadas de generosas doses de melancolia também integram a discografia de um artista que refletiu como poucos as transformações sofridas pela capital paulista.

É esse o foco principal do longa: apresentar uma faceta menos conhecida de Adoniran e desconstruir algumas imagens a seu respeito. Porém, o resultado final acaba sendo irregular; por um lado, quando o filme dá voz a seu protagonista e deixa que este explique sua vida e seu trabalho, fica fácil compreender seu processo criativo, suas motivações – e frustrações – e a maneira como enxergava no samba uma válvula de escape para se expressar. Nesse sentido, é muito significativo notar como Barbosa se considerava mais um “declamador” do que um “cantor”.

Por outro lado, há menos foco e objetividade durante as buscas de expandir os temas da tese central, já que estes acabam sendo pouco explorados. Um exemplo disso é a tentativa de abordar os vertiginosos processos de urbanização e industrialização pelos quais passou São Paulo ao longo do século XX, e as profundas desigualdades decorrentes daí. Embora seja um tópico resgatado diversas vezes durante a produção, nunca acaba sendo devidamente desenvolvido, deixando em dúvida sua funcionalidade.

Ainda assim, é louvável a coragem do realizador em apresentar um retrato cru de seu objeto, mesmo quando isso pode depor contra ele. Em diversos momentos vemos Adoniran em atitudes que facilmente seriam consideradas problemáticas, inclusive em termos raciais, mas Serrano sabe que tal honestidade é fundamental na desconstrução pretendida por seu documentário, sem que em nenhum momento o carinho para com seu protagonista seja perdido.

Por que Adoniran Barbosa, ou João Rubinato – ou os dois –, era um sujeito por vezes difícil de lidar, de temperamento nem sempre maleável. E também era alguém que encontrou na música uma forma de expressar para o mundo o que estava sentindo ao mesmo tempo em que refletia as mudanças vividas pela sociedade na qual estava inserido – o que poderia mesmo ser um sinônimo de artista. E talvez nenhuma imagem o represente melhor do que a brilhante arte de Elifas Andreato, que o caracteriza como um palhaço em cujo olho direito escorrem duas tristes lágrimas.