Crítica | A Voz do Silêncio [2018]

Nota do Filme:

Sempre houve um elemento desconcertante escondido nos dramas nacionais. Uma mensagem que não podia ser lida com uma análise ou percebida através de um diálogo, algo que os mais antigos profissionais da cena atribuem ao próprio exclusivo fazer dramático. A Voz do Silêncio exercita enquanto revive muito bem a cena brasileira no início dos anos 2000. Com elenco de peso que não devem ser subestimados com os cortes de cena estreitos, admiramos a cidade de São Paulo não mais como uma floresta de concreto – dependendo do cabimento, ela pode ser muito mais cruel do que aparenta.

Dirigido por André Ristum (Meu País, O Outro Lado do Paraíso) e escrito ao lado de Marco Dutra (As Boas Maneiras, Trabalhar Cansa), o longa acompanha com uma flexível linearidade a vida de sete protagonistas muito distintos entre si. Do incompreensível fim da vida de um homem ao desejo de abraçar o mundo de ombros tão largos, os personagens do longa são constantemente testados dentro de suas próprias cascas. O resultado da narrativa que Ristum pretende usar desde a sua barulhenta e visualmente sublime introdução, é a de que existem histórias que não se revelam na multidão, no embaraço do trem ou na luz da televisão ligada dentro de casa.

O roteiro possui complicações não tão prejudiciais que a boa big picture não consiga reparar. Os conflitos escalam com uma desigualdade perceptível, embora boa parte do que o longa tenta mostrar não seja tangível dentro de sua própria cronologia. Há em cada decisão uma consequência, esta muitas vezes já injetada antes do filme rodar. O valor dos personagens talvez seja o que há de mais real em A Voz do Silêncio. Ainda que não se conheçam ou interajam como um corpo inteiro, são feitos do que é feito um ser humano: falhas, promessas quebradas e a mesma incapacidade de agarrar o que no fim do dia sempre quiseram.

De poucos diálogos, a trama se desenvolve quase unicamente através da decadência demonstrada com a rispidez do cenário. A trilha sonora toma conta das passagens que marcam evoluções importantes na noção de como o longa e suas tomadas de cena são percebidas. A luz sobrevive nos bares e nas boates com a mesma indiferença. Há, no entanto, espaço breve entre as lacunas de som ambiente e cenas estáticas para somente o silêncio falar. Uma vez que não é estranho para o espectador imergir em cenas que não carrilhem como as outras imediatamente, isto se torna uma ferramenta para o diretor. Este talvez seja o mais valioso dentro da trama – seu espaço para o compreendimento de visitar o dia de um personagem específico.

Parte do que a cidade de São Paulo é como um personagem lateral que sangra por baixo da estética do diretor e do anúncio da vermelhidão do luar que se anuncia para cada um dos personagens. O roteiro sente aqui uma necessidade muito grande de convergência, algo que acaba nunca acontecendo. Os 90 minutos de A Voz do Silêncio não soam completos ou reparados. No fim, uma duvidosa reticência acaba se abrindo para o que resta de cada uma das histórias contadas. As perguntas inacabadas, no entanto, não deixam espaço para esperança. Para cada um coube uma fatia pesada de culpa, arrependimento e impotência.

A Voz do Silêncio resolve bem conflitos e situações confortáveis dentro dos clichês dramáticos que sequer se limitam aos de nascimento nacional. Sua estrutura e abordagem de cenas que muito lembra O Som ao Redor (2012), tenta sem escrúpulos capturar o que é viver dentro de uma vida castigada por uma decisão inacabada. Mesmo errando pela duração que acaba atrofiando parte da fluidez do roteiro, ainda consegue se limitar a contar curtas histórias brevemente isoladas ambientadas apenas pelo contexto. Espiados pela cidade e pelos outros, somos, através dos próprios personagens, testados a reavaliar o maniqueísmo dentro de obras parecidas.