Paris, zumbis e solidão. Esses são os três elementos que resumem o longa franco-estadunidense A Noite Devorou o Mundo, lançado em julho deste ano. Baseado no livro homônimo de Pit Agarmen e dirigido pelo cineasta francês (e estreante) Dominique Rocher, o filme tem como tema central o isolamento humano e suas consequências. Apesar de ser vendido como terror (por conta da presença de zumbis), a estória flerta muito com o drama, trilhando uma narrativa lenta que oscila entre dois gêneros.
A trama é movida por Sam, um rapaz antissocial na casa dos 30 anos. Interpretado pelo ator norueguês Anders Danielsen Lie (conhecido por Oslo, 31 de Agosto), o personagem vai ao apartamento de sua ex-namorada, localizado em Paris, a fim de buscar alguns pertences pessoais. Ao chegar lá, se depara com uma festa no local. Incomodado pelo clima e sem conseguir conversar a sós com a garota, ele se tranca em um escritório. Enquanto espera as pessoas irem embora, acaba dormindo no sofá. Ao acordar, pela manhã, percebe que o apartamento está vazio e encharcado de sangue, e logo descobre que todos viraram criaturas devoradoras de carne.
Apesar da premissa simples e clichê, o andamento do filme se afasta (e muito) dos inúmeros enlatados do gênero zumbi. Aqui, os monstros são apenas pano de fundo para algo maior: a solidão do protagonista, que aparentemente é o único sobrevivente da catástrofe – ideia reforçada com grandes planos gerais que exibem uma Paris devastada, abandonada e silenciosa. Não há respostas sobre a origem do incidente ou possibilidade de cura, pois o foco é Sam. Momentos de sustos e tensões são raros ao longo dos 93 minutos. Até existem, mas são pontuais e breves. A maioria das cenas apresenta a rotina entediante do personagem e como ele lida com ela. Como alicerce ao fato do roteiro trabalhar quase unicamente com um único ator, há a presença de um segundo personagem (um prisioneiro mudo), que serve como confessionário, a fim de expor pensamentos que não poderiam ser informados de outra forma para o espectador. Entretanto, o artifício é pouco proveitoso, e se resume à cenas que dizem quase nada.
Outro fator que colabora para aumentar a sensação de solidão é a forma como o diretor trabalha os encontros entre Sam e as criaturas. Na maioria das vezes o confronto é desprovido de trilha sonora. Alem disso, os zumbis do cineasta não fazem ruídos vocais. São completamente silenciosos. Essa escolha ajuda a agravar o clima de angústia sentido pelo protagonista, que se vê sozinho diante de um mundo pós-apocalíptico.
Dizem que no cinema se deve mostrar mais e dizer menos. Quanto à passagem de tempo da trama, o script se sai bem nessa dica. O espectador consegue ter uma noção de quantos dias Sam está enclausurado sem ele precisar dizer. Afinal, o personagem marca o tempo fazendo riscos em ladrilhos de vidro de uma janela. Porém também há ocasiões em que a lente do diretor erra nesse sentido, como o uso de um plano rápido e escuro para explicar o desfecho de uma personagem que aparece na segunda metade do filme.
Apesar da boa atuação do ator, que prova conseguir trabalhar bem sozinho, não é possível ter muita empatia pelo seu problema. Pouco se sabe sobre o seu passado – elemento fundamental para a proposta da obra. Aparentemente, ele é apenas um homem introvertido que gosta de compor música com objetos domésticos (passatempo que se repete em mais de uma cena). Assim, o público vê apenas um sobrevivente aflito pela solidão, cercado por seres oriundos de George Romero.
Embora tenha um final condizente com a proposta que o permeia, A Noite Devorou o Mundo entrega uma estória arrastada e com pouca profundidade emocional, incapaz de arrancar suor, calafrios ou lágrimas do público. A mistura de gêneros, desta vez, foi pouco efetiva.
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