Nota do Filme :
Inspirado em eventos reais, o longa se passa em 1823, na África Ocidental e segue um grupo de guerreiras determinadas a proteger o Reino do Daomé (atualmente é o país Benin) contra o Império Oyó. A força de elite, constituída unicamente por mulheres, era conhecida como Agojie e foram uma das primeiras forças militares totalmente femininas. Na trama, o grupo é liderado pela General Nanisca (interpretada magistralmente pela vencedora do Oscar Viola Davis). Essa jornada épica ocorreu em um momento obscuro da humanidade, quando a escravidão era o produto mais lucrativo do mercado.
Produzir um filme baseado em fato histórico e antigo não é nada fácil, porque requer conhecimento e pesquisa sobre o tema para não distorcer muito da realidade. Com A Mulher Rei não foi diferente, para sua construção foi necessária muita investigação sobre os acontecimentos da época, sem contar que o material ainda era controverso, pois muitas vezes eram documentos escritos por colonos com intenção de provocar, zombar ou desumanizar as pessoas das tribos africanas. De forma que o trabalho árduo contou com a ajuda de um profissional conceituado, o historiador e economista de Princeton, Leonard Wantchekon.
Ele é o principal professor beninense que trabalha no meio acadêmico norte-americano no campo da economia beninense. Sua pesquisa foi inestimável para contextualizar a complexa história por trás da obra, a qual retrata um período da administração do Reino do Daomé em que o Rei Ghezo (John Boyega) teve a oportunidade de ouvir aqueles dentro de seu reino que depunham contra o comércio de escravos e a favor de explorarem um caminho alternativo para a prosperidade.
Esse é um dos pontos em que a realidade se confunde com a ficção, tendo em vista que a construção do pensamento antiescravista se deve, na película, à ideologia empregada pela General Nanisca, que incentivou os comerciantes a explorarem a agricultura em vez de pessoas e, com isso, conseguiu alertar o Rei para a crueldade do fato e para outro modo de obtenção de lucro. Embora, na verdade, a mudança da ideia não tenha sido influência da líder das Agojie, o que importa é que no filme se encaixa perfeitamente tal conceito.
Em síntese, o longa se vale de um fato histórico e cria com isso uma história ficcional empolgante, emocionante e inspiradora. Tal qual James Cameron usou o naufrágio do navio titanic para criar o belo romance entre os personagens ficcionais Jack e Rose, a roteirista Dana Stevens foi convidada para adaptar a trajetória das Agojie para a tela e fez um excelente trabalho, contando com o conhecimento técnico disponível sobre o fato.
A obra começa contextualizando o público, explicando sobre os conflitos entre os reinos africanos da época. Ambientado, o espectador passa a conferir as batalhas com as guerreiras Agojie e a se deleitar com a bela fotografia e o inspirado roteiro. As cenas de luta também não ficam atrás e levam tensão e empolgação à trama. Como se não bastasse o primor da produção, as atuações também contribuem para um caminho fácil à imersão na película, todo o elenco é afinado e comprometido com o projeto.
Na verdade, a coreografia das batalhas, o figurino, o cenário, a trilha, tudo no filme auxilia para transportar o público para dentro da história. É densa, pesada, não poupa no sangue e na violência, mas nada é gratuito em A Mulher Rei. O longa explora eventos históricos e ainda trata de paridade de gênero, sororidade, relações interpessoais e sempre de uma maneira sensível. Apesar de mais de duas horas, a duração não é problema quando atrai o espectador em cada espaço da narrativa, que não cansa com o espetáculo na tela.
O enredo segue o treinamento de uma nova geração de recrutas, que não economizam esforços para se tornarem Agojie e saírem em luta pelo reino. A jovem Nawi (Thuso Mbedu) mal entra no grupo e logo procura mostrar seu valor. Difícil não torcer para a pequena novata conquistar seu lugar no grupo. A obra eleva o que se chama de empoderamento feminino a um nível antes não conhecido. As mulheres lutam em pé de igualdade contra os homens ou mesmo em superioridade a eles.
O treino é áspero, rígido mas necessário. Com a baixa dos homens na guerra, as mulheres aprendem a lutar e se tornam verdadeiras gladiadoras. A líder das guerreiras, Nanisca, é também a Miganon, conselheira militar do Rei Ghezo (John Boyega). Ele sabe dar o devido valor a suas opiniões e reconhece a competência da General. O povo do Daomé é unido pelo sofrimento e pela superação e é na raça que buscam a proteção.
É com Izogie (Lashana Lynch), a Tenente das Agojie, que Nawi encontra amparo, uma vez que aquela também entra para a equipe em circunstâncias conturbadas e – identificando-se com Nawi – ela consola e orienta a jovem. A interação entre elas e a relação das jovens do grupo é o que se chama de sororidade. É palpável, não é apenas “porque está moda” ou para “surfar na onda atual”, o que se mostra em A Mulher Rei é sentido com o coração e a alma, é algo que ficará na memória.
A trama não escapa das questões políticas. Política e espiritualidade agregam substâncias ao enredo e acrescentam, também, na construção das camadas das personagens, enriquecendo o produto final. Cada uma tem uma função específica na equipe e tudo é contado nas roupas, nos penteados, nos maneirismos e até na forma de lutar. As guerreiras Agojie eram mulheres com origens variadas de aldeias de toda a região e as atrizes que as compunha também são de diferentes lugares: Thuso Mbedu é da África do Sul, Lashana Lynch é jamaicana e Sheila Atim (Amenza) vem do Reino Unido, mas também é ugandense.
O espectador mais atento observará o primor e a qualidade com que foi feita a película. A produção é irretocável, a parte técnica é exuberante, seja no figurino de Gersha Phillips, na trilha sonora acertada de Terence Blanchard ou na fotografia belíssima de Polly Morgan (a mesma diretora de fotografia do sensível Um Lugar Bem Longe Daqui), nada deixa a desejar. Contudo, as atuações é que elevam a obra ao nível máximo. Só para ver Davis em cena já valeria a pena. E ela em conjunto com os demais fazem de A Mulher Rei um excelente e marcante filme.
O longa inspira-se no histórico exército de guerreiras que protegeram o Reino do Daomé, um dos estados mais poderosos da África nos séculos XVIII e XIX e faz um recorte, durante a gestão do Rei Ghezo (1818-1858). Seja pela base histórica, pelas atuações, pela fotografia, pela coreografia, pelo empoderamento feminino ou pelo roteiro emocionante, motivos não faltam para ver A Mulher Rei, basta escolher um, o importante é não perder a oportunidade de ver esse drama de ação épico e histórico na tela do cinema.
A Mulher Rei estreia em 22 de setembro de 2022 nos cinemas nacionais.
Direção: Gina Prince-Bythewood | Roteiro: Dana Stevens | Ano: 2022 | Duração: 135 minutos | Elenco: Viola Davis, Thuso Mbedu, Lashana Lynch, Sheila Atim, John Boyega, Hero Fiennes Tiffin, Jimmy Odukoya, Masali Baduza, Jayme Lawson, Adrienne Warren, Chioma Umeala, Siyamthanda Makakane.
Apaixonada por filmes e séries, queria transformar o mundo em um lugar melhor, deitada na minha cama, ligada na TV.
“Sou só uma garota ferrada procurando pela minha paz de espírito.” Kruczynski, Clementine (Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças).