Crítica | A Mulher na Janela (The Woman in the Window) [2021]

Nota do Filme:

Uma mulher misteriosa, que faz uso diário de remédios controlados – e os mistura com muitas doses de vinho –, vive trancada em sua casa, passando os dias a observar a vida dos seus vizinhos. Então, em uma noite que parecia ser como qualquer outra, ela assiste ao assassinato de sua vizinha da frente, mas não consegue identificar quem é o assassino, o que a leva a uma jornada de incertezas e muitas provações.

Essa sinopse é realmente muito promissora, não é? Pois é, eu também achei. Contudo, caro leitor, não posso deixar de trazê-lo para a realidade: a sinopse é muito melhor que a trama. Em pouco menos de duas horas de filme, Joe Wright, que dirigiu Orgulho e Preconceito e A Hora Mais Escura, não foi capaz de transmitir ao telespectador a maravilha que é esta história, originalmente contada por A. J. Finn em seu livro homônimo.

Devo alertar o leitor que esta crítica contará com diversos spoilers, tanto sobre o filme quanto sobre o livro. Caso não tenha assistido (ou lido) e pretenda fazê-lo, sugiro que primeiro tire suas próprias conclusões e somente depois venha compará-las às minhas. Dito isto, vamos aos fatos: Joe Wright tinha em mãos uma história de suspense das melhores que já li (passei exatos três dias seguidos grudada no livro e parava de ler somente quando era realmente necessário), mas, de alguma forma, tudo isso virou um emaranhado de cenas que não causaram nem metade do efeito que poderiam.

O filme traz uma mulher, Anna Fox (Amy Adams), com agorafobia, uma doença que provoca um medo muito grande de estar em lugares abertos, o que a mantinha de forma quase que permanente dentro de casa. Anna se ocupava com algumas atividades, como suas aulas de francês, suas consultas com o psiquiatra, e, principalmente, com seus amados filmes noir. Além dessas atividades, Anna tinha uma preferida: observar seus vizinhos pelas lentes da sua nikon, de onde acompanhava as reuniões da igreja de uma vizinha, as habilidades musicais do filho de outra, e, é claro, os Russells, que acabavam de se mudar para a casa de frente à sua.

A rotina de Anna começa a mudar quando, em meio à sua luta para lidar com a agorafobia, ela se vê como testemunha ocular do assassinato de Jane Russell (Julianne Moore), a mulher da casa da frente, que a ajudou em uma de suas crises apenas alguns dias antes. Então, em uma tentativa desesperada de ajudar a amiga, Anna liga para a polícia e sai de sua casa em direção à casa da frente. Sua jornada é bruscamente interrompida, como de costume, pela sua fobia, e ela acorda horas depois novamente em sua sala.

A trama a partir deste ponto traz a luta de Anna contra todos à sua volta, na medida em que tenta provar que, sim, o que viu é verdade, e não mero efeito colateral dos abusos de seus remédios e excesso de álcool no sangue. Apesar de toda a confusão mental causada naturalmente pela própria vida, a personagem acredita, na maior parte do tempo, que aquilo realmente aconteceu e que não está louca, mesmo que todos lhe digam o contrário.

Aqui começo a criticar a adaptação. Vale ressaltar que alguns pontos-chave destrinchados no livro sequer são mencionados no filme, como, por exemplo, a rotina de consultas diárias no Ágora (site para pessoas com agorafobia), onde Anna construía relações sólidas com outros agorafóbicos, bem como a relação problemática dela com os remédios e com o álcool, tratados com muito mais profundidade no livro do que no filme; outras questões são tratadas como não tão importantes (e são!), como o hábito de olhar pela janela (não é o nome do filme, meu Deus?) e a sua relação com os filmes antigos, que em muito ajudam a contar a história e a construir o suspense.

Outra parte da adaptação que me incomodou foi a mudança por completo da relação da protagonista com seu inquilino, David (Wyatt Russell). No livro, observamos uma relação de confiança que foi construída lentamente e que foi quebrada de forma brusca. David recebe uma função no filme que não lhe cabia, e que destrói um dos melhores plot-twists de toda a trama. É inacreditável que ele tenha sido tão mal aproveitado. Teria sido melhor que ele tivesse sido esquecido, assim como foi o psiquiatra, que teve poucas cenas no filme, mas também não atrapalhou.

Mas, talvez, a pior alteração seja quanto ao desfecho da personagem principal com a sua doença. Enquanto no livro ela continua lidando com a agorafobia, mas agora de uma forma um pouco mais saudável, no filme ela magicamente se recupera, muda de casa e fica ótima, do dia para a noite. Sabemos que não é assim que uma pessoa se recupera de um trauma, que nenhum transtorno mental é resolvido com uma simples epifania, e sim com pequenos passos, pequenas vitórias no dia a dia. A forma como a doença foi retratada é irreal e, em certo ponto, até desrespeitosa.

Um ponto que merece destaque é que a adaptação para os cinemas trouxe logo no começo um elemento não utilizado no livro, que, para mim, mudou completamente a visão do telespectador sobre a personagem principal: no livro, Anna demonstra sua dificuldade ao lidar com a própria realidade, que ela mascara com o uso exagerado de remédios controlados e com o abuso constante de bebidas alcóolicas, ao passo que no filme não só não fica clara a dimensão do uso patológico de bebidas e remédios, como é acrescentado um novo elemento à realidade da personagem: as ideações suicidas.

O desejo iminente de tirar a própria vida utilizado no filme como um recurso facilitador para o telespectador se conectar à protagonista traz a sua dor para um patamar completamente diferente; enquanto no primeiro ela trata tudo com negação, mas lida com isso, no segundo ela já cai nas tendências suicidas. Percebem a diferença gritante de uma personagem para a outra? É uma mudança muito brusca, que altera completamente as motivações da personagem por toda a trama, perdendo, portanto, toda a essência em relação à história original.

Além da própria construção da personagem ser crucialmente diferente, a relação com Ethan (Fred Hechinger) também não é desenvolvida de forma suficiente no filme. Por não termos a construção das relações dela com os pacientes no Ágora, não fica claro como o adolescente conseguiu invadir a casa da terapeuta, muito menos como ele consegue descobrir suas senhas pessoais. A informação fica jogada, sem sentido, e não cria no espectador um link direto entre uma coisa e outra. Até a motivação dele para fazer tudo o que faz não é clara, mesmo com o monólogo final, já que pouco sabemos da vida dele.

O Ethan do livro parece um bom menino (aos olhos de Anna, nossa narradora). É claro que com o tempo colocamos a credibilidade da narradora à prova e a classificamos como não-confiável, mas, mesmo assim, a avaliação inicial permanece até o plot-twist. No filme, Ethan parece simplesmente um jovem assustado, e até perturbado, mas jamais alguém de quem não deveríamos suspeitar. A construção do suspense no filme é fraca e não provoca a dúvida necessária para manter o telespectador interessado no longa.

Outros pontos não explorados no filme são a relação de Anna com a fisioterapeuta e as suas partidas de xadrez, mas estas até que passam despercebidas no filme, visto que eram mais pontos de apoio na rotina da protagonista do que essenciais para a história. É evidente que alguns pontos serão diferentes em relação ao livro – e é esperado que assim seja, visto que é uma adaptação para outro formato de entretenimento –, porém, quando as adaptações são tão grandes a ponto de perdermos pontos cruciais dos personagens, não há como defende-las.

As atuações de Amy Adams e Gary Oldman são, como sempre, ótimas, mas nem um elenco de peso e um bom diretor à frente do projeto foram capazes de segurar este filme, que passou por diversas mudanças no roteiro, vendas entre estúdios e até uma refilmagem desde o ano de 2019. Para mim, um dos poucos trechos do filme que valeu a pena foi a cena em que descobrimos porque Anna desenvolveu a sua agorafobia e o paradeiro de sua família, e mesmo esta parte poderia ter sido melhor desenvolvida, já que é um dos plot-twists mais chocantes do livro.

O que era para ser um filme cheio de referências ao cinema noir – principalmente à obra de Hitchcock, Janela Indiscreta – e uma verdadeira viagem introspectiva à cabeça de uma mulher perturbada, tanto por seus próprios fantasmas quanto pela realidade de seus vizinhos, acaba por ser um suspense leve e desconexo, com um final apressado e nada empolgante. Eu cheguei com altíssimas expectativas e me frustrei completamente. É mais um trabalho de uma excelente atriz em uma obra que não lhe dará qualquer chance de reconhecimento, e já estamos cansados de ver isso acontecer.