Nota do filme:
Quase cinco anos longe do cinema, o dinamarquês Lars Von Trier retorna exatamente da maneira que os cinéfilos o conhecem: pretensioso, excêntrico, violento e sarcástico. Porém isso não quer dizer, necessariamente, que é apenas mais do mesmo. Trier nos apresenta A Casa que Jack Construiu, uma obra tão pessoal que torna uma tarefa ingrata não assimilar com a própria filmografia do diretor.
O longa conta a história de Jack (Matt Dillon), um peculiar homem com TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) que assassina uma mulher dentro da van. Este evento provoca um prazer desconhecido em Jack, que acaba se tornando um Serial-Killer durante 12 anos. Seu trabalho é tão perfeito que nenhuma autoridade consegue descobrir pistas de seus atos repugnantes. Após encontrar com o sábio Virgílio, Jack compartilha com ele cinco crimes aleatórios de sua carreira durante uma viagem para o inferno.
Dividido em cinco capítulos mais um epílogo, Von Trier cria com bastante calma – afinal, é um filme com 155 minutos de projeção – a figura criada por Jack chamada de “Sr. Sofisticado”. Um homem tão perfeccionista que passa despercebido pelas autoridades e com um forte senso de auto-crítica. Pensando dessa forma, é possível notar semelhanças com o próprio diretor, já que o mesmo é conhecido por ser uma pessoa difícil de lidar dentro do set de filmagens. No entanto, esse não é um trabalho apenas para satisfazer o diretor. O público é diretamente afetado pela figura tóxica de Jack. O Serial-Killer é criado pelo o que o pior ser humano pode oferecer.
A narrativa é semelhante ao que foi visto em Ninfomaníaca, de 2013. Virgílio ouve atentamente a história de Jack, que é mostrada ao público através de flashbacks. A construção do personagem é fundamental para entendermos sua motivação e desejos. O roteiro de Trier abrange além da temática sobre assassinatos, conseguindo adicionar atributos necessários para aproximar o público ao protagonista. Mesmo Jack sendo um assassino em série, ele exerce sua função como Arquiteto, elemento explorado através ilustrações para atenuar o seu perfeccionismo, já que todos os seus atos são minuciosamente projetados. O personagem também se coloca como vítima, por não ser conhecido como um artista. A sociedade não reconhece o seu trabalho dessa forma. Interessante são as ilustrações que são mostradas para destacar esse grandes artistas – a surpresa é tão grande que não posso revelar através desta crítica.
Quem conhece a filmografia de Von Trier, sabe que ele flerta bastante com a violência gráfica. Aqui não é diferente. No entanto, a maioria das ações do protagonista contém o seu por quê. Seja pelo grau de inteligência da pessoa ou por sua arrogância, por exemplo. As vítimas são de diversa faixa etária, etnia, idade e gênero. Tal violência é brindada com certo toque de humor negro, elemento que trás leveza para algumas mortes. A coleção de vítimas de Jack fica escondida dentro de um depósito de freezer, santuário para o ”Sr. Sofisticado”. O prazer do personagem é em aumentar o seu ego inflado. É válido mencionar que a música Fame, do cantor David Bowie é reproduzida sempre após a morte das vítimas. Jack anseia tanto pela fama que acaba perdendo uma das suas principais essências.
A câmera raramente tira o foco de seu protagonista interpretado por Matt Dillon. Ele tem tempo de sobra para mostrar as mais variadas facetas de Jack. Desde seu rosto pálido sem vida até os seus embates internos contra sua própria personalidade. Provavelmente é o trabalho mais sólido do ator, que não aparecia em um filme interessante há tempos.
Os fãs de Lars Von Trier certamente não sairão do cinema espantados com o projeto, esse longa está longe de ser o mais impactante do diretor. Embora seja demasiadamente longo, assim como boa parte de sua filmografia, A Casa que Jack Construiu é uma metáfora que se assemelha a personalidade de muitas pessoas: aquelas que tentam montar a imagem ideal para sociedade, sendo que se esquecem de tomar cuidado com o que tem por dentro.
***A Casa que Jack Construiu foi exibido no Festival do Rio 2018.
Carioca da gema e Jornalista. Completamente apaixonado pela filmografia de David Lynch e Paul Thomas Anderson. Nas horas vagas, costumo assistir filmes da Criterion Collection ou da A24, além da vasculhar discografias de Indie Rock e Alternativo.