Cinematologia na Copa – Arábia Saudita

A Arábia Saudita levou um chocolate ontem no jogo de abertura da Copa do Mundo e se é o momento certo para que a seleção busque se reerguer é aí que encontramos a semelhança do futebol com a indústria cinematográfica desse país.

Na verdade, cinema na Arábia Saudita é uma questão polêmica. Aliás, mais que polêmica, já que até pouco tempo era uma questão de ilegalidade. Para um país que tinha vários cinemas na década de 70, o período oitentista foi marcado pelo fechamento de todas as salas do território saudita, quando lideranças islâmicas fundamentalistas passaram a considerar as produções cinematográficas como algo contrário às normas da religião ou “Haram”.

E assim a Arábia Saudita teve apenas um cinema funcionando em um museu, passando filmes educativos, por mais de 35 anos, quando no fim de 2017 o governo anunciou que abriria portas para a construção de novas salas pelo reino, como parte do projeto de modernização do príncipe herdeiro Mohammad bin Salman, visando impulsionar a cultura local ao aumentar o gasto doméstico com entretenimento. De fato, em abril desse ano foi exibida a primeira sessão pública de um filme após quase quatro décadas de proibição e o longa escolhido para marcar tal estreia foi Pantera Negra.

Todavia, apesar do banimento da indústria de filmes, alguns diretores ousaram enfrentar a proibição e produzir conteúdos inestimáveis nesse país árabe. Nesse sentido, este artigo faz parte do especial Cinematologia na Copa do Mundo e aqui indicaremos alguns filmes que te farão conhecer e reconhecer a importância do cinema saudita.

 

O Sonho de Wadjda. Dir: Haifaa al-Mansour, 2012.

Wadjda é uma menina de 12 anos completamente diferente das colegas de classe (e até do comportamento das mulheres de sua comunidade). Seja por calçar All Star na escola, ou quebrar regras quanto a interação com meninos, a garota é constantemente repreendida. Seu sonho é comprar uma bicicleta (veículo cujas mulheres sauditas são proibidas de utilizar) e vencer seu melhor amigo (sim, um garoto!) em uma corrida. A narrativa mostra a convivência de Wadjda com seus pais, uma mãe que entende o comportamento de sua filha, ao passo em que vive um conflito com o marido, por não querer comprometer seu trabalho em prol de uma nova gravidez.

O longa retrata a dura repressão que as mulheres sofrem na sociedade saudita, suas proibições e a consciência que se cria no público feminino em prol de quebrar os paradigmas desse quadro. O Sonho de Wadjda foi o primeiro filme a ter o elenco completamente saudita e também a ser gravado completamente na Arábia Saudita. A diretora Haifaa al-Mansour também é a primeira cineasta mulher do país. O filme foi selecionado para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro no 86º Oscar, mas não chegou a ser indicado, porém recebeu a indicação na mesma categoria no BAFTA de 2014.

Barakah com Barakah. Dir: Mahmoud Sabbagh, 2016.

Ele, um funcionário público de Jidá, nasceu em uma família humilde, para dizer o mínimo. Ela tem uma beleza selvagem e é filha adotiva de um casal rico ainda abalado pela falta de um filho biológico. Ele também é ator em uma companhia de teatro amador e se prepara para encenar Hamlet. Ela trabalha na elegante boutique de sua mãe adotiva e tem um vlog de sucesso na internet. O destino os une em um ambiente hostil para qualquer namoro. Mas eles são criativos e burlarão a seu modo a patrulha religiosa e tradicional que rege a sociedade saudita.

O filme aborda as políticas repressivas da Arábia Saudita para com as interações públicas entre homens e mulheres, e para tal, coloca os personagens em situações inusitadas unicamente para se encontrarem. Barakah com Barakah é a primeira comédia romântica saudita. Também chegou a ser selecionado para o Oscar, mas não foi indicado. Entretanto, ganhou o Prêmio do Júri Ecumênico do Festival de Berlim. Tornou-se o primeiro filme saudita a ser disponibilizado em serviço de streaming, encontrando-se na Netflix (inclusive, no catálogo brasileiro).

Cinema 500 km. Dir: Abdullah Al-Eyaf, 2006.

Tariq Al-Husaini é um rapaz de 21 anos, cinéfilo, que vive em um local onde os cinemas são proibidos e os filmes estão disponíveis apenas em mídias de home video. Al-Husaini dá entrada no processo de seu passaporte e cruza a fronteira de seu país, numa viagem de 500 kms até o Bahrein, só para ver um filme em um cinema pela primeira vez na vida.

Cinema 500 km é um documentário em curta-metragem, filmado com a permissão do Ministério Saudita de Cultura e Informação. Ao tratar do banimento das salas de cinema, o filme impulsionou a discussão dessa questão na imprensa do país anos antes do fim da proibição.