Crítica | Auto de Resistência (2018)

Nota do Filme:

Auto de Resistência é um documentário que aborda os homicídios praticados por policiais contra a população civil na cidade do Rio de Janeiro. Tais atos são conhecidos como “autos de resistência”, isto é, quando o policial alega que a morte decorreu da resistência à prisão e consequente legítima defesa.

O filme traz a trajetória de pessoas que tiveram que lidar com a morte de seus familiares. Essa abordagem é feita através de alguns casos emblemáticos da cidade, sendo eles: Caso Chauan Jambre e Allan de Souza Lima (2015), Caso Chacina de Costa Barros (2015), Caso Johnata Oliveira (2014), Caso Eduardo Felipe Santos Victor (2015), Caso Favela do Rola (2012), Caso Jhonata Dalber Mattos Alves (2016), Caso Hugo Leonardo (2012) e Caso Fabrício (2014).

Primeiramente, é importante ressaltar que não há que se falar em “parcialidade dos diretores”, ao menos não de maneira negativa. Isto porque documentários são, via de regra, parciais, pois os criadores buscam transmitir determinada mensagem através da obra.

Considerado o melhor filme brasileiro no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, entende-se que a produção é bastante relevante no cenário atual, uma vez que, no dia 04/01/2016, passou a vigorar medida que visava promover a uniformização dos procedimentos internos policiais. Agora, em casos de mortes decorrentes de ações policiais, é instaurado inquérito policial com tramitação prioritária. Entretanto, por mais que o termo “auto de resistência” não seja mais utilizado formalmente, essa mudança em nada alterou o status quo, uma vez que, segundo o próprio documentário, 98% desses inquéritos são arquivados sem conclusão da investigação.

Desse modo, fica claro que qualquer alteração no trâmite investigativo visa apenas dar aparência de melhoria ao problema. Nesse sentido, os casos trazidos pelo documentário demonstram que a situação em questão está longe de ser uma exceção. Ao contrário, trata-se de verdadeiro modus operandi estatal, vez que o ente investigativo sequer presta o seu dever com a diligência necessária.

A conduta de um ente repressivo estatal deve, sempre, estar sob supervisão, sob risco de se incorrer em verdadeira política de extermínio. Isto é, uma vez que não há responsabilidade ética de certos órgãos, é como se fosse dada carta branca ao Estado para decidir a quem executar. A localidade dos casos – áreas mais carentes – e as vítimas – majoritariamente jovens negros – exemplifica bem a questão.

A obra traz à população uma visão mais real sobre um problema que, para muitos, pode parecer distante. O drama dos familiares de pessoas vítimas de condutas ilegais da força policial – pois à polícia não é autorizado matar, salvo quando age sob o manto da legítima defesa – sofrem com a falta de respostas e auxílio estatal. Pior, os familiares acabam sofrendo ainda mais ao ver a memória de seus entes queridos maculada através de correntes em redes sociais que os tratam como se bandidos fossem e, então, merecedores de morte.

Muito é falado sobre as estatísticas de mortalidade na cidade do Rio de Janeiro que são, diga-se de passagem, assustadoras, mas é imprescindível fugir da frieza dos números e dar rostos à questão que costuma ser tão impessoal. Desse modo, os diretores Natasha Neri e Lula Carvalho tratam a situação com o respeito devido e se torna nítido que ambos são emocionalmente envolvidos com o projeto.

Sendo assim, Auto de Resistência é um importante documentário que lança uma luz no drama de diversos moradores da cidade do Rio de Janeiro. É provocativo e relevante a qualquer espectador, pois divulga questões problemáticas acerca da investigação de crimes cometidos pelos próprios agentes policiais.