Crítica | As Boas Maneiras [2018]

Nota do Filme:

As Boas Maneiras acompanha a vida de Clara (Isabél Zuaa), uma enfermeira da periferia de São Paulo que, necessitada, consegue um emprego de babá para o filho de Ana (Marjorie Estiano). Uma vez que o bebê ainda não nasceu, auxilia com tarefas domésticas. No desenvolvimento de seu relacionamento, porém, Clara nota que sua patroa apresenta sintomas estranhos, cada vez mais preocupantes, sempre em noites de lua cheia.

 

 

O longa foi apresentado no Festival do Rio de 2017 e conseguiu arrematar 5 prêmios, sendo o maior vencedor da edição. Foram eles: Melhor Longa-Metragem de Ficção, Melhor Atriz Coadjuvante (Marjorie Estiano), Melhor Fotografia, Prêmio da Crítica Fipresci e Prêmio Felix para Melhor Longa de Ficção.

Acerca do filme se destaca, primeiramente, que pode facilmente ser dividido em duas partes. A primeira aborda, majoritariamente, a relação de Clara e Ana. Após o desenrolar dos eventos, todavia, a trama se expande e se diversifica, trabalhando temas distintos. Porém, essa divisão acaba sendo algo negativo. Isto porque, por mais que estejam inegavelmente relacionadas e haja, de fato, uma transição orgânica entre ambas, a maior parte do suspense ocorre logo na primeira parte. Desse modo, o clímax que ocorre ao final não alcança os padrões anteriormente estabelecidos, o que faz com que pareça mais um (ótimo) epílogo para a história anterior. Tal situação acaba por afetar o ritmo como um todo, tornando-o um pouco cansativo.

Passado esse único deslize, ressalta-se que há mais que um longa de suspense/terror em As Boas Maneiras. A começar pelo próprio título, que se relaciona com a montagem inicial, trazendo uma sensação natural de fantasia à película. Tem-se que em contos de fadas a punição decorra justamente de um ato de desobediências, isto é, um desvio às boas maneiras. Assim, descobre-se que Ana foi excluída de sua família justamente por se opor à comportamentos esperados de sua pessoa em determinadas situações.

 

 

Devido a tais acontecimentos, a personagem mostra independência e resiste à vontade de seu pai, patriarca de sua família, motivo pelo qual se encontra em sua situação atual. Nesse sentido, a obra consegue trabalhar questões sociais importantes, como o feminismo, de maneira suave. De modo mais incisivo aborda, também, problemas acerca da relação de poder no local de trabalho, uma vez que Ana exige que Clara cumpra tarefas para as quais não fora contratada, situação muito comum vivida por trabalhadores domésticos no Brasil.

O clima de suspense é construído de maneira competente. Desde o começo o filme flerta com a ideia de uma fantasia licantrópica, de modo que o resultado jamais soa forçado. O roteiro, então, merece elogio por conseguir passar veracidade a situações naturalmente irreais.

 

 

Ressalta-se, também, a excelente direção do longa. Juliana Rojas e Marco Dutra demonstram total controle sobre a obra. A escolha de cores, principalmente para as cenas noturnas, conseguem potencializar o sentimento do espectador. Não há como não se impressionar com a metrópole paulista à luz do luar.

 

 

Necessário reforçar a fantástica atuação aqui presente. Isabél Zuaa, atriz portuguesa talvez não tão conhecida, entrega uma incrível performance. Por vezes contida por vezes mais sentimental, seu timing sempre condiz com a cena. Marjorie Estiano, mais conhecida do público brasileiro, impressiona com um desempenho memorável, não à toa foi premiada na 19ª edição do Festival do Rio.

 

 

Conta, ainda, com um elenco infantil forte. Miguel Lobo e Felipe Kenji dão vida, respectivamente, à Joel e Maurício, amigos de escola, e competência. Por vezes há um pequeno exagero na cena, mas tais situações podem facilmente ser relacionadas à idade dos personagens – sete anos – bem como ao seu modo de criação diferenciado, no que diz respeito à Joel. De qualquer forma, tais ocorrências são raras e de modo algum impactam na qualidade do longa.

Assim, As Boas Maneiras é um excelente exemplar do cinema nacional sendo intrigante e socialmente relevante. Ainda, conta com direção exemplar de Juliana Rojas e Marco Dutra e atuações memoráveis de Isável Zuaa e Marjorie Estiano. O filme não se limita apenas aos fãs do gênero, podendo ser apreciável por qualquer espectador.