Presenciar Em Ritmo de Fuga traz ótimas recordações do bom cinema de ação. Com os hiatos do diretor Edgar Wright, com certeza é fácil se impressionar com seu amadurecimento com as telas. A experiência com a câmera dançante e a ótima transição de cenas mira para fazer o público não se sentir em outro lugar senão em um banco de passageiro – e no ritmo de fuga.
Trilha para correr
A trilha sonora que não só conversa, mas participa da história como personagem, é o grande sustento para a qualidade final. Se Baby é um instrumento de sua propagação, então também porta o sagrado bastão da narrativa. A abertura do filme teve um valor decisivo para a captura do espectador cobiçado pela direção. Talvez até vital O caminho que Wright escolhe para a primeira impressão acerta em cheio. Nada de calmaria no apartamento, despertar clichê de protagonista ou rotina entediante que escala para alguma ação de um serviço como motorista no fim do dia. Aqui você toma um tapa na cara. O primeiro passo para acordar o espectador da convivência com perseguições baratas e sem capricho na história.
Ainda que a cena seja introdutória e uma ferramenta narrativa importante, a escolha de sua posição na metragem acatou um trejeito essencial para um filme de ação. Observar os maneirismos do estranho motorista enquanto repara na tripulação de criminosos que o acompanha é difícil quando o acelerador é pressionado. Foi alcançado aqui um nível artístico e cuidadoso com a cena que escapa pelas cantadas de pneu e pelos giros grosseiros e habilidosos de Baby (Ansel Elgort) no volante. Tudo isso na exata medição de trilha, cor e fotografia atropelada pela cena coberta em adrenalina. E embora seja só provável, esta abertura pode ter sido no fim a grande responsável por manter o público nos seus assentos. Seria a primeira de sucessoras infelizmente deficientes dessa mesma beleza metodológica explosiva.
Ação dedicada a contar
O roteiro e a direção de Wright são bem escrachados aqui. Isso é bem particular de quem já acompanhou algum outro trabalho dele mesmo que não se recorde muito bem de sua totalidade narrativa. Os personagens têm esse preenchimento de personalidade bem distinto e intransigente. O óbvio maneirismo de Baby quando a trilha ainda o acompanha ativamente é o gatilho para passar a analisar o filme à sombra de quem o dirigiu e vê-lo de uma outra forma que não ordinária. Personagens aqui são engrenagens declaradas para o roteiro de ação fechado e a história previsível, mas surpreendentemente instigante.
Algumas decisões no roteiro couberam muito mal na metade do filme, já no encaminhamento de uma conclusão próxima e excitante para quem ainda boiava na imprevisibilidade, mesmo que deste ponto em diante seja quase impossível contornar o óbvio. Ritmo de Fuga não chega perto de ter um final unânime. Ao invés de continuar a narrativa de ação de alta qualidade e os trechos de romance e sonho misturados na poesia maluca da constante fuga dos problemas, Wright tenta colocar o pé em um drama que não caiu tão bem com a química restante da obra. Aliado a isso, há uma admiração ”tarantinesca” forçosa em algumas cenas com Jamie Foxx.
Não há uma atuação incrível ou vertiginosa na narrativa. Apesar do elenco interessante e da boa roupagem (papel) seleta para os componentes, talvez só o personagem de Jamie Foxx consiga se equiparar em uma importância fluída ao próprio Baby. O menor tempo em cena e a liberdade de uma atuação ousada nos muitos diálogos dados a seu personagem, Bats, não o tornam nada especial. Só vale ressaltar a atuação de qualidade comum pelo peso do elenco que a torna executável. O curioso aqui é realmente não ver nada tão incrível assim. E nessa mesma área de atuação, o casal principal tem uma química boa, mas em lógica de roteiro, inexplicável. É justo deixar essa parte com os créditos da subjetividade. Há por aí todo tipo de estrutura de romance no fim das contas.
O filme tem pouco menos de duas horas de duração, mas a sensação prometida é de ter ganho aquele tempo com algo realmente conquistador. De Carla Thomas a Barry White, passando por Danger Mouse e The Shake, toda a história orquestra a beleza do filme vista no conceito ordinário, mas revisto agora por Wright, dos filmes de ação clichês. O hype pelo filme não foi em vão. Pelo menos dessa vez o público gritou para compartilhar uma obra singular dessa década. Baby Driver merece ser visto até por quem não é chegado no gênero acelerado.