A agrura do marginalizado na cidade decadente é o fio condutor do imperdível “Bom Comportamento”

O thriller policial urbano oitentista deixou marcas indeléveis no cinema de ação hollywoodiano por trazer, entre outras coisas, uma verve urgente e realista (uma herança da década de 70) amparada numa “estética de neon”, característica daqueles anos. Walter Hill, Michael Mann, William Friedkin, Martin Scorsese e depois Richard Donner, entre outros, fizeram do cinema policial e de ação reflexos da sociedade americana daquela década. Dirigido pelos irmãos Ben e Josh Safdie, é a partir desse cinema que “Bom Comportamento” irá versar sobre questões contemporâneas e inquietantes.

Na trama, o jovem Connie Nikas (interpretado por Robert Pattinson), após um assalto a banco promovido por ele dar errado, se vê correndo contra o tempo para livrar da cadeia o seu irmão, um rapaz com problemas mentais que também participou da malfadada investida. Com um ponto de partida relativamente simples, os irmãos Safdie irão promover uma jornada kafkiana, com uma pegada niilista corrosiva e desoladora.

 

Se nos anos 80 a decadência urbana dava o tom, em “Bom Comportamento”, não por acaso, ela é o invólucro de questões muito mais subjetivas: angústia, isolamento, sufoco, ruptura emocional, ansiedade. O personagem de Pattinson é um sujeito desesperado em busca de uma saída, para si e seu irmão. Movido pelo instinto de sobrevivência, ele se agarra a um fio de esperança que talvez nem ele mesmo acredite existir. Ainda assim, é esse fio que guiará a sua jornada, afinal, alguma esperança é melhor do que nenhuma. Ao passo em que o roteiro faça uso de questões quase antropológicas como fio condutor, também não é coincidência que os protagonistas sejam descendentes de imigrantes: numa América cada vez mais obtusa, a falha de comunicação hostiliza e marginaliza essas pessoas.

Robert Pattinson, que já havia despontado para o estrelato em “Crepúsculo”, vem trilhando um caminho interessantíssimo, trabalhando com nomes cultuados da indústria cinematográfica, como David Cronenberg e James Gray. Pattinson tem aqui o ponto alto de sua carreira e, num mundo mais justo, estaríamos cogitando o nome dele na próxima temporada de premiações.

Se há um fator a ser ponderado e que pode deixar a narrativa de “Bom Comportamento” ligeiramente fragilizada, ligeiramente, é a subtrama envolvendo um personagem secundário que, com o gatilho espertíssimo de um plot twist, passa a fazer parte da trama. Não que essa passagem seja ruim, mas se prolonga mais do que o necessário, dando a impressão de que poderia ser facilmente encurtada. Entretanto, dentro de tudo o que os Safdie oferecem aqui, esse é um pecado menor, bem menor.

“Bom Comportamento” é um filme que precisa ser visto. Além de tecer um excelente comentário sobre o gênero em que aparentemente está inserido, ele acaba trazendo mais camadas de apreciação, podendo muito ser assistido e encarado como um drama psicológico disfarçado de thriller de perseguição. É uma obra rica, referencial, incômoda e, por fim, surpreendente.