Ele está passando por experiências inéditas. Em meio à neve e ao território hostil, Walter continua subindo a montanha. A surpresa o consome quando encontra o fotógrafo Sean, o tesouro de sua jornada. Após a troca de cumprimentos, os dois passam a admirar o raro leopardo das neves, que caminha sobre as rochas na outra encosta. Walter então pergunta à Sean por que ele ainda não tirou a foto, e o fotógrafo responde: “algumas vezes eu não tiro a foto. Apenas gosto de admirar o momento”. Enfim o animal desaparece na natureza, sem a câmera emitir um clique. Essas e outras passagens de “A Vida Secreta de Walter Mitty” estão gravadas na memória dos fãs do filme. Além de um roteiro inspirador e uma trilha sonora empolgante, o longa ainda possui uma fotografia sublime, digna de papéis de parede. Mas este texto não é uma análise crítica desta obra de 2013, dirigida pelo próprio Ben Stiller. O objetivo é refletir sobre as ricas mensagens que ela transmite.
Vamos lá.
A realidade que sonhamos
Logo na primeira cena, Walter aparece acessando um site de relacionamentos. Ele lê a descrição do perfil de uma colega de trabalho, sua paixão secreta. Na seção “O que espero de um homem” há três adjetivos: aventureiro, corajoso e criativo. Walter só possui a última característica. A aventura e a coragem se limitam à sua imaginação, seja por acomodação ou medo. O personagem quer mudar isso, mas permanece no mundo das ideias. Eis então que é sacudido pela procura da foto de capa da última edição da Life, a qual ele acredita estar com Sean. Como pontapé da missão, Walter é atraído através de uma imagem que se move – ilusão criada por seu próprio instinto. Ele atende ao pedido, saindo de sua zona de conforto e indo ao rumo do desconhecido que sempre imaginou conhecer. O sonho então vira realidade.
Walter atravessa continentes, desce uma estrada de longboard, foge de um vulcão em erupção, cai em um mar com tubarões. Tudo para atingir seu objetivo. E quando volta para a sede da empresa, está diferente, vendo o mundo de outra forma. Trata-se da jornada do famoso mito da Caverna de Platão. Agora não haviam mais correntes em seus pés. Tudo graças ao sonho que ele queria tanto realizar, cuja chama foi despertada pelo desejo de querer mudar sua vida, a fim de impressionar pessoas que amava e contradizer aqueles que não acreditavam nele (como o gerente de transição da revista).
A conquista de Walter, diante da sociedade chamada 24/7, na qual mal há tempo para dormir, serve de alento para perseguirmos sonhos considerados impossíveis – pois às vezes, são impossibilidades criadas no nosso imaginário, por conta de histórias que contamos a nós mesmos.
“As coisas belas não clamam por atenção”
A frase dita pelo personagem Sean é refletida durante o filme inteiro, graças aos planos gerais e grandes planos gerais da direção. A beleza do mundo está à nossa volta, podendo ser o sol que bate no rosto ao alvorecer, as ondas beijando a areia da praia ou uma revoada de pássaros ao entardecer. O filósofo Camus sabia registrar essas prosaicas observações como ninguém, destacando o belo onde outros olhos não viam nada. E sabe o que todas essas belezas têm em comum? A simplicidade.
Talvez a beleza que tanto buscamos passe despercebida diariamente, podendo estar no quintal de casa, na nossa rua, no nosso caminho para o trabalho. Basta observarmos com mais tempo, sem pressa, livre de padrões estéticos construídos em nossa percepção.
Há sempre pessoas por trás de grandes trabalhos
Parece bobagem lembrar disso, mas não é. Por trás de grandes feitos, dignos de aplausos e atenção, há sempre os indivíduos que os produziram. No caso da Life, Walter era uma dessas pessoas, que lutavam arduamente para as fabulosas edições da revista. O criador merece ser lembrado tanto quanto a criação. Por sorte, nosso herói dos negativos é contemplado com esse reconhecimento.
Fora da ficção, infelizmente, nem todos heróis são reconhecidos. Lixeiros pouco são lembrados e valorizados por recolherem nossa sujeira, assim como os motoristas de ônibus que enfrentam durante horas o estresse do trânsito, a fim de nos levar aonde precisamos. Somos todos humanos, sujeitos à falhas, lidando com problemas diferentes. Se todos nós fossemos mais valorizados pelo bem que prestamos ao próximo, poderia ser mais fácil conseguir levantar todos as manhãs. Afinal, somos todos Walters.