Drama e romance sempre foram conectados como suplementos um do outro em narrativas, servindo para dar continuidade na historia, gerar carga emocional ou criar empatia e identificação dos personagens para com o público. Porém com o avanço do cinema e do aprofundamento das obras, o romance evoluiu de elemento narrativo para gênero cinematográfico, podendo classificar certos filmes diretamente nessa categoria, como é o caso de The Notebook.
Com essa ruptura entre os dois tipos, The Notebook traz uma narrativa predominantemente romântica, no sentido amoroso, sobre a jornada de dois indivíduos que tentam e conseguem fazer com que esse sentimento perdure até o final, independente das adversidades enfrentadas por cada um, se esquivando de qualquer superação que um possa ter pelo outro em dado momento, transmitindo a ideia de alma gêmea, amor eterno e necessidade extrema pelo outro.
Entretanto, apesar dessa idealização ser uma ideia facilmente comprável por qualquer um justamente pelo grande temor de se estar sozinho no final da vida, ela perpetua o conceito de cara metade, de que alguém nasceu para te completar e que é impossível para o outro viver sem essa pessoa, tal como é mostrado no filme. Após o primeiro término dos protagonistas, cada um prossegue sua vida sem a presença do outro, sofrendo interferência da personagem estereotipada de mãe carrasca da protagonista, quando Noah (Ryan Gosling) escreve 365 cartas durante um ano, sendo uma por dia, e as envia para Allie (Rachel McAdams), na qual a mãe recolhe todas as cartas e não deixa a filha desviar do seu futuro.
Nesse momento têm-se uma das primeira loucuras de amor que o personagem de Gosling comete, sendo sucedida por outra mais absurda ainda que ocorre quando ele compra a casa velha em que os dois tiveram a primeira noite de amor e pensa que se a reformasse, a personagem de McAdams voltaria correndo para seus braços, o que realmente ocorre depois. Porém, pensando racionalmente sobre isso, percebe-se que essas “loucuras de amor” que Noah realiza são apenas devaneios de alguém que não conseguiu superar o outro, percorrendo um caminho que beira a obsessão.
Vale ainda ressaltar que sete anos se passaram desde o término dos dois até o reencontro ardente, tendo ele lutado na 2ª Guerra Mundial e perdido seu melhor amigo, e ela servindo de enfermeira na mesma guerra e conhecendo o homem de quem ficaria noivo, um soldado de quem ela tratou no mesmo período.
Enquanto Noah não havia superado Allie, ela já tinha vencido esse sentimento, tendo prosseguido com sua vida. Porém ela se sentia incompleta, como se faltasse algo dentro dela, na qual em um primeiro momento a explicação dada por ela foi por ter parado com a pintura, reconhecendo que estava se tornando uma pessoa mundana. Contudo, por uma aleatoriedade do destino, ela avista a foto de seu ex-amado no jornal com a casa que ele comprou e reformou na esperança dela voltar pra ele. E o que ela faz? Ela vai atrás dele apenas para encontrar um desencargo de consciência do primeiro rompimento entre eles, mas se depara com a chama acesa de um amor entre os dois que parecia extinta, resultando no término de seu noivado com o soldado e dilacerando a relação com sua família para viver a intensidade desse sentimento, resultando no felizes para sempre, ou quase.
Paralelamente a narrativa do longa têm-se os dois protagonistas no futuro, com eles idosos, na qual ele conta a historia de amor dos dois para ela, utilizando o diário escrito por ela, na esperança de que ela retorne da demência adquirida por conta da idade, transmitindo a ideia de que o amor é mais forte que qualquer doença e mais eficaz que qualquer remédio, culminando em um final que ela recupera um pouco da lucidez temporariamente e indaga se o amor dos dois permitiria que ambos partissem juntos, o que acaba por ocorrer com um grande rótulo de pieguismo absurdo.
Com isso, têm-se o mito do amor romântico muito bem construído nesse filme, na qual nenhum dos dois se frustra um com outro em nenhum momento, ambos vivem apenas um pelo outro, não há conflitos graves entre eles, exatamente como se um fosse complemento do outro. E quando isso é utilizado de espelho na vida real, o resultado pode ser totalmente o oposto e os benefícios de comprar essa lenda sentimental são risíveis frente a criação de expectativa criada por quem se entregar primeiro, tentando alcançar o inatingível e causando um sentimento descabido de tristeza por não ter conseguido isso.
Portanto, apesar de todos crescerem acreditando nesse ensinamento de que há alguém para todos no mundo, muito por conta de tentativas de esquecer o vazio mortal ou tentar encontrar sentido para a vida, sendo que esse significado do amor ideal foi cunhado com a ajuda da filosofia, essa é apenas uma das falácias que são bombardeadas durante a evolução mental de cada um, afinal não há em lugar nenhum escrito que alguém pertence ao outro. Pessoas vem e vão a todo momento, e não é uma devoção exacerbada que criará amarras eternas do outro as suas.
Apaixonado por cinema, amante das ciências humanas, apreciador de bebidas baratas, mergulhador de fossa existencial e dependente da melancolia humana.