O gênero das biografias de personalidades musicais no cinema costuma ter problemas, e esses são causados por várias coisas. Às vezes a expectativa supera o filme, em outras ocasiões – e esses são a maioria dos casos – a obra conta a história do cantor ou cantora de maneira episódica, de forma que coisas que todos os fãs conhecem estão ali e outros segmentos mais relevantes não. Ou seja, além de o público esperar demais prejudicar o filme (não tem como isso ser evitado, é algo natural, nada de condenável aqui), a estrutura da projeção pode destruir algo rico.
Felizmente, nenhum desses casos acontece na biografia de Violeta Parra, cantora, artista plástica e escritora chilena. Em “Violeta Foi para o Céu” de Andrés Wood, vemos um exemplo de filme biográfico, elegante em sua estrutura, e que valoriza a biografada em questão sem idealiza-la, vemos junto com a cantora Violeta Parra, a pessoa Violeta Parra.
O filme usa de uma forma ousada de contar a história, usando Violeta em um programa de entrevista, a moça conta sua história e as revive em lembranças, e são justamente essas memorias que o público vai acompanhando no decorrer da obra. Graças à montagem, o ritmo não cronológico das reminiscências fica fácil de acompanhar, o espectador consegue ligar os pontos sem muito esforço, graças ao estilo alternado dos cortes e graças às músicas de Parra, que muitas vezes é o que realiza a passagem de um plano a outro, de uma cena a outra e até mesmo de um momento emocional a outro.
Algo que vale a pena destacar é a fotografia, que assume um tom que oscila entre o claro do interior chileno e o escuro do estúdio onde é realizado o programa de entrevista e as inúmeras apresentações realizadas na Europa. Um exemplo disso é a cena da primeira apresentação na Polônia, que é paralela com um acontecimento trágico na vida da cantora e da família, além de termos a musica realizando a ligação entre as cenas, os planos utilizados nelas são os mesmos (o plano próximo aos atores, mais fechado) e se a cor azul predomina em um palco bem iluminado, o escuro predomina no público que a assiste e também domina o lado oposto, que ocorre no Chile, facilitando o corte e a assimilação do público de dois acontecimentos importantes e de sentimentos diferentes.
É importante ressaltar o figurino e o design de produção, que foram inteligentes ao inserir a cor violeta em diversos lugares de cada cena, às vezes observamos a cor na mobília de algum cômodo, em quadros, e nas roupas, tanto da própria cantora, quanto em outros personagens e até mesmo figurantes. Mesmo de forma discreta, a cor sempre está presente, indicando como a cantora foi dominante e intensa em tudo o que participava.
Claro que tudo isso fica muito mais fácil quando o filme reconhece que a melhor maneira de contar o que aconteceu é retratar tudo de forma o mais real possível, logo, Angel Parra, filho de Violeta, ter sido consultor artístico é essencial para a veracidade de todas as cenas.
Mas, confirmando esse vernáculo, também temos o elenco, que é muito competente. O destaque vai para Francesca Gavilan, que interpreta Violeta, consegue ser tão intensa quanto à cantora, passando facilmente da doçura, do amor e da civilidade, para a agitação, o ódio, a raiva, a vingança. A atriz consegue através de seu olhar, evocar diversas emoções, e principalmente, a interpretação das musicas ficou muito próximo àquilo que era Violeta Parra em vida, talvez, por conta do uso da fisicalidade, da postura que a atriz tomou em relação ao papel.
Sem esquecer-se do momento politico e da posição politica da cantora, a obra consegue um retrato fiel ao que era fazer qualquer coisa relacionada à cultura em tempos de ditadura, e consegue isso fugindo de clichês biográficos, trazendo uma Violeta Parra sem a tradicional idealização, tão presente nos dias de hoje, e além de ser de uma coragem grande, também é necessário, tanto para os fãs, quanto para a família, e também para o público do cinema, que espera sempre ver coisas novas sendo realizadas.
Deixo aqui uma das músicas de Violeta Parra:
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com