Vida, busca e Questão de Tempo

Amor é um tempo que não sobra.

Viagens no tempo. É engraçado como o assunto é abordado das mais diferentes maneiras, mas em especial a aproximação dramática é a que mais intensifica a função secundária do time travellerQuestão de Tempo, pela segunda vez, me deu um tapa de realidade com sucesso. Certo,  mas na segunda vez o tapa é mais fraco e a lembrança do anterior é maior, é o que importa. Aqui a frivolidade do tempo é discutida com o mesmo modelo reinventado de uma série de filmes com o mesmo elemento. Foi impossível não relembrar de O Homem do Futuro ou do clássico de Sessão da Tarde com Bill MurrayFeitiço do Tempo. É um chafurdo de pensamentos muito grande para um só filme revisto, então vamos por etapas.

Frivolidade. Se há algo que chegue perto de resumir o que é a órbita desse filme é a passagem das coisas. Se o hoje é tão ruim que não merece ser definitivo, por que diabos o ontem seria uma chance? Enquanto o filme inocentemente trata do tema como fachada para uma profundidade grande de desenvolvimento do personagem principal, cai no conceito de que não importa o que façamos, erros existirão sempre que existirem pessoas os cometendo. Pois é, a vida composta no filme é feita de acertos — sejamos francos, até egoístas — de um personagem comum. Doomhal Gleeson poupa comentários neste filme. Não sou fã em escala alguma do ator, mas de fato a pessoa não me decepcionou em nenhum papel que eu já tenha o testemunhado. O cara é ótimo e tem um pique de adaptação incrível a papéis. Questão de Tempo não foi um desafio tremendo, mas sem dúvida o que havia de ser foi cumprido. Tim Lake (Doomhal Gleeson) é um personagem realmente estranho e sem um passado definido na trama. Talvez os vinte e um anos sejam tão misteriosos quanto parecem. Tempo de decisões e responsabilidades. Empregos, família, companhia,  dinheiro, e… não ferrar com o seu novo talento de viajar no tempo e espaço.

QT3.jpg

Contudo, algo mais do que meramente as decisões tomadas sob a linha do tempo chamaram atenção aqui. Rachel McAdams. A vida da jovem moça que vive em um brechó no corporativo londrino é bem retratada aqui. Inocente, sonhadora, aventureira e disposta a ser o match perfeito de Tim Lake. É impossível não notar como as eventualidades da vida a dois a partir do momento em que se conhecem passa a dar tão errado para as confusões temporais. De fato a trama é agora renderizada
para ambos e Tim é forçado a abandonar o egoísmo que quase nenhum espectador sugere existir. Quer dizer, vamos lá, o cara tem o poder de voltar no tempo e tenta fazer isso como pode para viver bem e feliz. Uma visão franca sobre o mundo e o amor. Ah, e Tim deixa isso bem claro pelo começo do filme. Amor, amar e ser amado é tudo que importa no fim. Bem, talvez esse tenha sido seu único e derradeiro acerto no meio de tanta bagunça superestimada como trágica. A moça teve o papel de inclinar o filme em uma rampa interminável de eventos que prendem quem assiste. Sim, ela foi o combustível de Questão de Tempo, não há como traduzir isso melhor. Mary, todavia, não me convenceu como um personagem realmente atraente,já que pelo menos para mim, este título pertence em maioria ao  pai de Tim, o senhor Lake, interpretado por Bill Nighy.

A direção de Richard Curtis faz aqui uma curva inacreditável para narrar as centenas de viagens no tempo feitas pelo jovem Tim. O longa de duas horas de duração não me agradou muito com tamanha encheção de linguiça. É um tema simples que poderia ser tratado de uma forma mais rápida e com uma objetividade incrivelmente maior, mas nem sempre é assim que funciona com um grande roteiro e muitos personagens que prometem grandes personalidades. Uso aqui o exemplo de Meia-Noite em Paris que, apesar de não ser um ilustre retrato do cinema com viagens no tempo e temáticas de relações interpessoais dramáticas, ainda é um exemplo. A duração do corte chega a ser
quase quinze por cento inferior em sua versão crua de puro filme. Rápido no gatilho, profundo no mergulho. É recorrente como diretores tratam obras de escrita original para as telas. Há certa pessoalidade em descrever cenas, personagens, cores e formas pontudas ou arredondadas no espectro dramático de mil e uma faces. Bem, o tempo existe e não deu para voltar com ele aqui. Infelizmente é seguro dizer que vinte ou trinta minutos de Questão de Tempo poderiam ir direto para a gaveta (carinhosamente não apelidando de lixo).

A paleta de cores desse filme é hipnotizante, sério. Eu continuo sem conseguir deixar de encarar a fotografia estonteante, é simplesmente muito boa.  A temperatura das cenas também ajuda muito a ambientar com que sentimentos lidamos. Isso fica mais evidente na cena da caminhada do casal principal até a casa da moça, o tal do brechó. O primeiro beijo, a primeira relação e a luz que faz plano de fundo com isso são técnicas que passam quase sempre apagadas na gratuidade do drama romântico. O trilha sonora de Nick Laird Clowes é incrível. Temas como esse possuem uma coisa em comum: compositores ótimos. Misture o trabalho temporal e a maneira de manipulá-lo a um roteiro com alguns plots e está feito, temos um compositor fora da curva. Acho que isso é algum tipo de bruxaria. Nossa, como a música ajuda a enquadrar esse filme na sensação perfeita de harmonia com o presente. Afinal, é sobre isso que se trata: vivê-lo intensamente.

QT1.jpg

Nada disso seria possível sem Bill Nighy, que carrega o filme nas costas rumo ao patamar de tragédia dramática (aquele momento reflexivo sobre a vida). A finitude de linhas temporais com as quais lidamos aqui tira certo caráter sobre a efemeridade das vida e das pessoas. Eu odeio dizer isso, mas queria vê-lo morrer em definitivo de algum jeito. Um personagem tão essencial e com tamanha carga emocional de tutela com Tim deveria deixar uma herança de dor pela perda, mas de felicidade pela existência. A relação de pai e filho em Questão de Tempo me atingiu mais do que qualquer outro elemento. Os conselhos, a vivência de confiança e credulidade e principalmente a figura com que sempre pode contar. Tire isso de Tim em algum momento e temos um personagem bem construído e independente, o que inevitavelmente acabou acontecendo de forma abrupta. E por falar em tempo atropelado, isso não fica muito embaçado quando usamos de elementos das cenas e dos eventos para nos situar. Então independente de quanta bagunça Tim faça durante seus inúmeros erros de plena falta de lógica sobre as pessoas, sempre estaremos com ele no mesmo minuto e segundo, perfeitamente sintonizados.

A parte que mais me deixou com uma pulga atrás da orelha foram as inúmeras em que as inconsequências reinam. A viagem no tempo é sensível, indefinida e triplamente
variável se consideradas todas as hipóteses da ciência. Faltaram momentos de erros fatais e decisões cumpridas de forma errônea. Infelizmente elementos imprescindíveis deixaram de existir em detrimento de um filme fofo, redondo e perfeitinho para o cinema mais jovem. Algo pessoal, mas que me  entristeceu dado o tão bom aproveitamento da equipe que compôs o longa. Drama, gente, vamos executá-lo até o fim. Diretores, resistam a essa curva tão traiçoeira do final perfeito e feliz, por favor. Com finais se aprendem de qualquer maneira, não só com um sorriso no rosto ou um contentamento silencioso. O mundo é feito de  erros mais do que de acertos. A história da humanidade prova isso indefinidamente.

Não existem personagens extraordinários em Questão de Tempo, mas relações extraordinárias. O diretor consegue unir bem o grande elenco de personagens super
diferenciados que criou no roteiro original sem muitos problemas. Claro, como dito anteriormente, é um filme grande para tanta fome de contar histórias, mas isso acaba que serve bem para quem não liga muito para o tempo perdido. Seria isso uma ironia ou uma piada? Uau.  Independente do gosto de quem assista, o filme pega. Em diferentes níveis, mas pega. Uma hora ou outra você para e pensa: “Puts, eu vou mudar a minha vida”. Nossa, que dádiva é esquecer dos plots de filmes e poder revê-los como se fosse a semi-primeira vez. Quero algum dia rever Questão de Tempo. Aliás, é para ser revisto em qualquer momento da vida em que se tenha dúvidas sobre o futuro. No entanto, fica a recomendação sobre o cuidado ao pensar demais nele.