Nota do Filme:
Um Príncipe em Nova York 2 mal entrou para o catálogo do Prime Video e já voltamos a discutir aquele que deve ser um dos debates mais batidos do cinema: vale ou não vale mexer no universo de clássicos em nome da diversão? Por muito tempo, remakes e continuações carregaram o estigma de serem jeitos fáceis de garantir bom retorno financeiro, mas hoje a discussão é mais diversa e dá para citar vários exemplos que comprovam que o gênero é mais que uma receita para o fracasso. Só é uma pena que a continuação da história do príncipe Akeem não seja um deles.
A regra é clara: se decidir mexer num universo já construído e provavelmente já consolidado, conte uma história que justifique a iniciativa. Sendo relevante ou não, a continuação precisa ter algo a dizer para não se apoiar apenas no fator nostalgia, que é importante, mas não o principal. Um Príncipe 2 peca no momento em que mal tem o que acrescentar ao universo criado no filme de 88 e se vale de apelos baratos para fisgar o espectador mais fanático.
Príncipe moderninho
Dirigido por Craig Brewer, do ótimo Meu Nome é Dolemite, essa nova aventura acompanha o momento em que Akeem (Eddie Murphy) se torna rei de Zamunda, mas descobre que teve um filho bastardo quando viajou com Semmi (Arsenio Hall) para o Queens. Decidido a ter um homem como herdeiro, como manda a tradição, ele retorna aos EUA para encontrar seu filho, LaVelle (Jermaine Fowler), e prepará-lo para ser príncipe.
Apesar da sinopse mostrar o contrário, Um Príncipe em Nova York 2 fala, principalmente, sobre empoderamento feminino, uma temática cada vez mais presente no cinema. Como se quisesse se redimir por todo o humor politicamente incorreto do outro filme, ele usa e abusa de cenas e discursos nada sutis para mostrar como Akeem está errado, do mesmo jeito que seu pai esteve. Se pensarmos bem, é até contraditório que o filme se construa em cima de uma característica que o próprio personagem rejeita: o apego às tradições. Ou será que ele esqueceu de quem foi a iniciativa de casar com alguém que os pais não aprovavam?
De modo geral, as piadas continuam dando um jeito de cutucar certas questões sociais importantes. Nada que se compare ao primeiro longa, bem mais desbocado e sarcástico (e machista, óbvio), mas a modernização ainda tem seus pontos positivos, principalmente porque incluiu as mulheres na brincadeira. Por outro lado, seria muito bom dizer que o humor se manteve o mesmo depois dessas mudanças, mas não foi o caso. O tom das piadas muda consideravelmente com esse novo contexto e boa parte da graça do anterior, que era o deboche, não existe mais.
Inversão de papéis
A questão é que Um Príncipe em Nova York 2 até tenta investir em novas formas de construir humor, porém não funciona tão bem. Aqui, Eddie Murphy dá espaço para o protagonismo de Jermaine Fowler, que revive várias das situações que Akeem viveu anteriormente, só que ao contrário, com o filho vivendo como príncipe de Zamunda. A má notícia é que essa inversão, além de pouco criativa, também é bem desinteressante, principalmente porque Fowler nem de longe tem o mesmo carisma que Eddie. Sua atuação é bem fraca e não convence o público a torcer por ele.
Aliás, difícil encontrar por quem torcer. O roteiro é confuso e tem uma dificuldade imensa em desenvolver os personagens, o que dificulta bastante na hora de criar empatia por eles. O caso mais grave talvez seja o próprio Akeem, que não só tem pouco o que fazer aqui como também é interpretado por um Eddie Murphy que não parece estar se divertindo como antes. O ator está o tempo todo no piloto automático e sua presença é tão distante do personagem que às vezes eles nem parecem a mesma pessoa. Ele até convence nos outros papéis, mas ficamos procurando aquela energia de antes, e não achamos.
Todo o elenco antigo é bastante subaproveitado, e é uma pena que Shari Headly e, principalmente, Arsenio Hall não façam nada nesse filme, um verdadeiro desperdício. Dos personagens novos, o destaque vai mesmo para o General Eazie, interpretado por Wesley Snipes, que está até bastante engraçado. Menção honrosa para Morgan Freeman que interpreta ele mesmo durante a melhor cena do longa: o funeral do rei Jaffe Joffer (James Earl Jones).
Nostalgia apelativa
É bastante incômoda a sensação de que o filme não tem fôlego suficiente para fazer melhor que isso: usar piadas antigas revestidas numa narrativa genérica. A história não sabe para onde ir, está repleta de atalhos sem sentido e o que já foi engraçado continua engraçado por conta da nostalgia, mas só por isso. Um Príncipe 2 se vale de toda e qualquer referência para arrancar risadas, desde situações como a da pretendente que Akeem deixou latindo e pulando num pé só até personagens como o núcleo dos barbeiros.
Não é justo e nem bom que a história e a maior parte do humor se sustente apenas nisso. É legal ver os personagens de volta depois de 30 anos e relembrar porque o filme de 88 se tornou um clássico, mas não é suficiente. Sem dúvidas, os antigos fãs vão se divertir. O figurino é deslumbrante (feito por Ruth E. Carter, figurinista de Pantera Negra), a história tem seus bons momentos e é legal ver como estão os personagens (e os atores) hoje em dia, mas Um Príncipe em Nova York 2 merecia bem mais. A narrativa atrapalhada, pouco criativa e com muita apelação, infelizmente, tornou este um filme esquecível.
Jornalista viciada em recomendar filmes e revisora de textos recifense que vive escrevendo sobre cinema nas horas vagas.