Quando Twins Peaks foi idealizada por David Lynch e Mark Frost para o canal de TV aberta ABC lá no começo dos anos 1990 ninguém imaginava que seria um divisor de águas na carreira dos mesmos e na televisão aberta.
26 anos depois de seu último episódio ir ao ar, temos o retorno de todo o surrealismo para a era de ouro da televisão – em termos de produção de conteúdo.
Twin Peaks acompanhava, em sua trama, o agente Dale Cooper (Kyle MacLachlan), do FBI, investigando o assassinato da jovem Laura Palmer (Sheryl Lee): estudante aplicada, modelo da cidade e, aparentemente, sem nenhum inimigo que pudesse querer fazer isso com a mesma. O mistério, entretanto, era apenas a ponta do iceberg para mostrar uma cidade tão suja e com habitantes tão peculiares e multifacetados que você nunca sabe de onde viria a próxima surpresa e que praticamente todos os personagens tinham envolvimento direto ou indireto na morte da garota Palmer.
Lynch foi considerado revolucionário ao não ter medo de levar para a TV uma trama de assassinato, com pessoas subversivas como protagonistas, indo na contramão de todas as outras produções à época que buscavam impingir um senso de moralidade ilibada nos protagonistas. Isso segurou o telespectador, elevou as expectativas da crítica com relação às produções e acendeu um alerta na mente dos outros produtores de Hollywood.
Twin Peaks foi um sucesso de uma magnitude tão intensa que se tornou ponto de referência quase instantânea na cultura pop, produzindo diversos produtos seguindo sua premissa e estética. Movimentando ondas de fãs fervorosos. Twin Peaks foi, basicamente, o Game of Thrones dos anos 1990.
E por falar em estética, vamos falar da parte técnica dessa série!
Quem conhece Lynch sabe que suas obras sempre prezam pelo visual de uma forma que o mesmo ajude a compor o tom das cenas, ele não apenas filma, ele procura criar obras audiovisuais onde a fotografia não é usada como mero recurso estilístico e sim como parte componente da trama. Com Twin Peaks não é diferente. Cada quadro e plano, cada seqüência, cada movimentação da câmera quer dizer alguma coisa, por mais que não entendamos de forma natural – afinal, estamos falando de David Lynch, o homem que não sabe filmar sem usar o surrealismo.
O roteiro é outro acerto sem tamanho: Lynch prioriza os personagens e suas reações e relações, com um efeito de causalidade sutil na narrativa detetivesca, sempre optando por capturar não apenas o estranhamento das ações, mas como isso refletirá na psique dos personagens e na trama como um todo, dando algumas dicas escondidas dentro da narrativa.
Um exemplo é Laura Palmer dizendo para o detetive Cooper que eles se vêem novamente em 25 anos na seqüência do sonho do detetive – e sabemos que os planos eram exatamente estes, lançar a série ano passado, quando a série completasse 25 anos de sua finalização.
Narrativamente falando os roteiristas sempre utilizavam de plot-twists dentro dos episódios de uma forma bastante inteligente, sem subestimar a capacidade de entendimento do espectador e entregar a trama completamente mastigada. A estruturação do roteiro e a construção dos diálogos de forma não convencional mas que, ainda assim, tem um impacto muito forte, te fazem pensar e repensar os significados de determinada cena de acordo com sua perspectiva e bagagem emocional. Nem todo cineasta sabe trabalhar isso bem e, ao incorporar essa característica cinematográfica em uma produção televisiva, Lynch elevou a qualidade para o meio, antes visto como secundário.
Lynch também é o tipo de diretor completamente aberto as coisas aleatórias que a vida pode proporcionar e integra isso em seus sets de filmagem sem medo algum, apenas abraçando que o estranho é uma parte natural do todo.
A primeira temporada de Twin Peaks tem 7 episódios e foi idealizada por Mark e David como um enorme filme, com todos os pontos de ligação, plot twists e relações sendo bem estruturadas e pensadas. Não há nenhum filler, tudo está ali por um motivo que agrega na trama e nos desdobramentos finais.
Já a segunda temporada sofreu nas mãos da emissora fazendo exigências, e não conseguiu se segurar nos 22 episódios que a compunham, como já é de praxe. Lynch e Frost não tinham a intenção de revelar o assassino de Laura Palmer em momento algum, porém, a ABC fez uma enorme pressão que os levou a revelar o mistério no início da temporada, o que fez os números do show caírem e, posteriormente que fosse cancelada pelo mesmo.
Evitarei falar de Fire Walk with Me, o famigerado prólogo que foi lançado como telefilme em 1992, após o cancelamento da série, pois, realmente, não vale a pena.
Apesar dos pesares teremos agora uma terceira temporada com 39 ATORES que participaram da produção original e roteiros de Lynch e Frost mais uma vez. A casa agora é o Showtime – que produziu a maravilhosa Penny Dreadful – e o diretor da emissora já disse que a estranheza escondida no cotidiano vai ser abraçada de todas as formas possíveis dentro do canal. Ainda não se sabe exatamente quantos episódios estão por vir, mas sabe-se que Lynch dirigiu todos os episódios dessa temporada e que novos personagens foram acrescentados.
A nova temporada de Twin Peaks estréia nessa domingo, 21 de maio, com expectativas altíssimas e uma legião de fãs de várias gerações aguardando sedentos.
Lynch está prestes a abrir suas cortinas vermelhas mais uma vez e espero que o show que se desenrolará seja de tão alto nível quanto já é costume do diretor mais estranho que você respeita.