Nota do Filme:
Não é de hoje que o cinema sul-coreano vem ganhando visibilidade e provando sua inegável qualidade. Chamando cada vez mais atenção nos festivais ao redor do mundo, o país conta com uma boa leva de diretores aclamados por críticos e cinéfilos, que, com seus filmes autorais que abordam os mais diversos gêneros, conquistam cada vez mais espaço. Depois de Chan-Wook Park ganhar o público com Oldboy (2003) – filme que faz parte da ótima trilogia da vingança – e com o premiado A Criada (2016) (vencedor do prêmio de melhor filme estrangeiro no BAFTA 2018); e Sang-Soo Hong, chamar a atenção com os dramas Certo Agora, Errado Antes (2015), Na Praia à Noite Sozinha (2017) e O Dia Depois (2017); é a vez do diretor Sang-ho Yeon ganhar os holofotes com seu primeiro longa live action. Tendo dirigido apenas animações, o diretor surpreendeu ao criar uma história de ação com dimensões e efeitos grandiosos, que, ainda por cima, garantiram a sexta maior bilheteria de todos os tempos nos cinemas do país.
Uma zona de quarentena no meio da estrada. É aqui que temos contato pela primeira vez com o problema que, a princípio, parece algo isolado. Um motorista afoito passa pelo posto da guarda nacional – responsável pela verificação de qualquer tipo de contaminação na área – e atropela um cervo na pista. Claramente com pressa e revoltado com seu constante azar, o cidadão parte em retirada em direção a seus afazeres, largando o corpo ali mesmo, estirado, inerte. Na cena seguinte, o animal se levanta e, após rápidos contorcionismos, volta à vida em questão de segundos, quase tão depressa quanto a perdeu. Um belo close em seus olhos brancos traz a tona um conhecido clichê comum dos filmes do gênero: algo de errado está acontecendo por ali.
Deixando um pouco de lado o frenesi inicial, somos apresentados à dupla de personagens central. Seok-woo (Yoo Gong), é um administrador de investimentos que passa a maior parte do seu tempo ocupado com ligações de negócios e estratégias de valorização de ações. Divorciado, ele vive com sua filha Soo-an (Su-an Kim) em uma casa luxuosa, onde o conforto é algo mais do que comum. Porém, atenção e afeto não são coisas habituais por ali. Cada vez mais solitária e carente, a criança pede de aniversário o direito de visitar a mãe na cidade de Busan. Sem tempo, mas com a genuína vontade de consertar as coisas com a menina, Seok-woo concorda com o pedido. No dia seguinte, ambos embarcam no trem, ambiente central para o desenrolar da narrativa.
Histórias de zumbi acabaram se tornando algo comum no cinema e na televisão. Após incorporar inevitavelmente as referências do gênio George Romero – o pai dos zumbis no cinema – tais histórias foram se adaptando e criando características que ficariam cada vez mais consolidadas com o tempo. Após a influência do ótimo Madrugada dos Mortos (2004), as criaturas foram deixando de se locomover lentamente atrás de um pedaço de carne e começaram a correr interminavelmente até alcançar o seu objetivo. Em Train to Busan, a história não é diferente. Vemos hordas de centenas de zumbis correndo e escalando os trilhos e os vagões em busca das próximas vítimas. Além disso, o primeiro contato com uma criatura no filme realmente assusta. Os atores de apoio – munidos de uma competentíssima maquiagem – fazem com que eles sejam viscerais, quase reais, com uma movimentação tão fluida e frenética que faz com que o público fique na ponta da cadeira esperando as consequências de seus ataques. A movimentação da câmera e os efeitos visuais (que funcionam muito bem em pelo menos 95% do filme) também ajudam muito na criação dessa atmosfera onde a massificação da catástrofe e o sentimento de insegurança dominam.
Se mantivesse o que vinha fazendo até o segundo ato da história, Sang-ho Yeon seria o responsável por um dos melhores filmes do gênero nas últimas décadas. Entretanto, escolhas de roteiro e mudanças de tom extremamente questionáveis atrapalharam o andamento, trazendo peso demais a uma história que poderia não se levar tão a sério. O diretor acaba se rendendo a alguns clichês baratos e a cenas de câmera lenta desnecessárias (dificílimo encontrar momento em que são positivas), prolongando momentos com o único objetivo de aumentar a carga dramática, manipulando de forma descarada os sentimentos daquele que assiste. Se para o roteiro as cenas de melodrama são ruins, para o ritmo do filme elas são ótimas. A cada pausa para lamentar a morte de um personagem, ganhamos minutos para respirar e se preparar para a próxima cena de ação intensa.
Train to Busan é um filme de ação que flerta com o drama a todo momento. Porém, nos surpreende na criação e retratação de uma catástrofe grandiosa que em nenhum momento se mostra megalomaníaca; que tira o fôlego e prende a atenção; que cria uma identificação ao humanizar seus personagens, estabelecendo suas falhas e suas virtudes; e que, acima de tudo, é mais um ótimo exemplo da qualidade e da variedade do cinema sul-coreano.
**Até fevereiro de 2018, o filme estava no catálogo da Netflix Brasil.