Na arte, existe intenção de ocasionalmente gerar uma discussão sobre um assunto que normalmente não há reflexão. Isso é o certo a se fazer, pois se não debatermos sobre determinadas coisas nunca iremos avançar como sociedade. Sendo assim, a Netflix acerta em expor nuances de um assunto que é um dos maiores mistérios da humanidade.
O filme “The Discovery” (A Descoberta) traz um retrato da época triste na qual vivemos através de uma pergunta “Existe vida após a morte?”. Na história da projeção a resposta é sim. O doutor Farber, interpretado por Robert Redford, é um médico neurologista que após uma longa pesquisa descobriu e confirmou sua teoria de vida pós-morte.
Essa descoberta gerou uma série de suicídios, pessoas que querem “chegar lá” (como a própria obra se expressa) e desejam uma segunda chance. Acompanhamos essa história pelo personagem de Will, filho do médico e também neurologista, quando este vai passar uma temporada na casa do pai, que se transformou em um local de aprofundamento da descoberta inicial. No caminho para a ilha onde se localiza, Will (interpretado por Jason Segel), conhece Isla (Rooney Mara), e ele se apaixona pela moça, que acaba indo parar na casa do doutor Farber.
A obra dirigida por Charlie McDowell é inteligente na sua técnica, usando movimentos de câmera pontuais, cortes bem divididos e de uma fotografia perspicaz ao sempre expor os sentimentos de Will, através das cores (ou falta de cores) e pela amplitude de cada ambiente onde o rapaz se encontra.
Os movimentos de câmera são espertos em mostrar para o público de forma simples o que ocorre em cada cena, um exemplo claro disso é quando Will chega à casa junto a seu irmão Toby (representado por Jesse Plemons, da segunda temporada da série televisiva Fargo). Vemos os irmãos conversando enquanto a casa é apresentada ao público, cômodo por cômodo, em uma cena sem cortes e com câmera na mão, de forma que percebemos a dimensão que a pesquisa tomou em rápidos momentos, até que chegamos onde o doutor está justamente realizando um experimento.
A fotografia usa essa dimensão citada no paragrafo acima para criar a profundidade de campo, as cenas são em sua maioria escuras, com tons de cinza sendo predominantes em cada ambiente, aliado a profundidade dos locais, é possível notar o vazio que o personagem de Will carrega em si durante todo o filme.
E se esse vazio é construído tecnicamente pela fotografia e pela paleta dessaturada, junte a isso a atuação de Jason Segel que conseguiu criar um personagem frio, inteligente e triste, mas também apaixonado por sua profissão e levemente arrependido de ter largado a pesquisa do pai, mesmo que esse abandono tenha sido por conta de um motivo plausível.
Mas apesar do destaque que Segel merece, já que é um ator conhecido por suas comédias (principalmente a série How I Met Your Mother) e não por seus dramas, o elenco todo tem uma competência bacana e sabe o que fazer com seu tempo de tela. Jesse Plemons passa lealdade a cada segundo no qual aparece, sendo sempre fiel ao seu pai e a pesquisa que está sendo realizada, Rooney Mara é um contraponto a calma de Will, sendo explosiva e agitada na medida certa e inteligente em suas colocações e o veterano Robert Redford assume seu papel com liderança, de forma que por um momento pensamos que o doutor Farber é o protagonista da obra.
Um filme simples, inteligente ao não sobrecarregar o espectador com pensamentos complexos e que trata de assuntos sensíveis durante toda a sua duração, “The Discovery” consegue fazer tudo aquilo que quer, sendo uma obra esperta e até mesmo corajosa, muito por conta do momento triste de propagação de ódio o qual estamos vivendo.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com