Crítica | Festa no Céu (The Book of Life) (2014)

Nota do Filme:

Em sua estreia como diretor de longas metragens, Jorge R. Gutierrez traz o primeiro filme de uma possível trilogia (de acordo com o próprio diretor, o projeto de Festa no Céu (The Book of Life) foi pensado desde o começo dessa forma), que carrega em sua essência diversos elementos típicos da cultura e do folclore de sua terra natal, o México. Junto a ele nesse projeto temos o já consagrado diretor Guilhermo del Toro (O Labirinto do Fauno, de 2006; Círculo de Fogo, de 2013; e A Forma da Água, de 2017), atuando aqui como produtor, e que com toda a certeza, foi um dos responsáveis pela criação desse belíssimo universo cheio de cores e vida ambientado em uma das datas mais importantes e marcantes do calendário mexicano, o Día de Los Muertos.

Mary Beth (Christina Applegate) é uma jovem guia de museu que tem como difícil tarefa levar, entreter e educar um grupo da detenção de um colégio local em um rotineiro passeio cultural em pleno Día de los Muertos. Para isso, ela decide levar os estudantes para uma “passagem secreta” nos fundos do museu, chegando diretamente em uma brilhante sala que tem como principal foco os artefatos e acontecimentos típicos dessa importante data. Prendendo logo a atenção de todos, Mary Beth abre um livro dourado conhecido como o Livro da Vida, que carrega histórias que segundo ela própria, misturam a realidade com a imaginação de quem o escreveu.

Logo são apresentados os três personagens centrais do livro, que desde cedo, formam um triângulo amoroso em que dois amigos lutam pelo amor da mesma mulher. Manolo Sánchez (Diego Luna) é um jovem que sonha em continuar o caminho de todos os homens de sua família: se tornar o maior toureiro da cidade. Mas o garoto carrega uma característica muito única e que é o fator de diversas discussões entre ele e seu pai, o fato de também alimentar a paixão pela música (o que é visto com muito preconceito por seus familiares, já que homens devem lutar e não cantar). Do outro lado, temos o jovem Joaquín Mondragon (Channing Tatum), filho de um dos maiores guerreiros e defensores da cidade que morreu em um confronto contra o maior bandido local, o Chackal (Dan Navarro). Finalmente, no centro da disputa, temos a bela María Posada (Zoe Saldana), filha do xerife local e detentora de uma personalidade forte desde criança.

O filme carrega diversas mensagens que tocam diretamente os adultos, mas que ajudam a montar a percepção das crianças acerca de algumas questões. María é uma personagem contundente que ajuda a derrubar os preconceitos sempre em que está presente na tela. O fato de não aceitar e rebater discursos machistas proferidos por seu pai e por seu pretendente Joaquin fazem dela uma importante ferramenta encontrada pelo diretor para discutir esse tema tão recorrente nos dias de hoje. Além disso, também são abordados tópicos como pressões sociais, a cruel prática das touradas, e principalmente, a morte.

A criação dos três universos mostrados no filme e a cinematografia em geral são impecáveis e uma das partes mais positivas da experiência. No núcleo central temos a cidade de San Angel, onde vivem os personagens principais e onde a maior parte da história acontece. Logo abaixo dela, localiza-se a terra dos lembrados, um lugar mágico, decorado por luzes, faixas e balões coloridos, que acolhe todos aqueles que se foram, mas que ainda estão na memória de seus familiares e amigos. Governada pela simpática La Muerte (Kate del Castillo), a terra dos lembrados vive em festa e acolhe da melhor maneira possível todos aqueles que partem dessa para uma melhor.

Por fim, temos a terra dos esquecidos, um lugar cinza e sem vida governado por Xibalba (Ron Perlman), que recebe todas aquelas almas que não tem mais nenhum familiar ou conhecido que se lembre ou leve oferendas a seus túmulos no Dia de los Muertos. No meio de todos esses universos temos um personagem muito importante que regula todos os acontecimentos e é o protetor do livro da vida, O Homem de Cera (Ice Cube), um cara barbudo, que veste uma túnica dourada e que carrega uma personalidade muito única, que o transforma em um dos alívios cômicos da história.

Para completar os fatores técnicos, as canções que permeiam o filme combinam perfeitamente com o ambiente criado e ditam o ritmo com extrema eficiência. Gustavo Santaolalla, o responsável pela trilha sonora e compositor das músicas originais “I Love You Too Much” e “The Apology Song”, conjuntamente com o compositor Paul Williams, trabalha em parceria com o diretor para transformar músicas que marcaram suas vidas em canções adaptadas para o ritmo latino necessário para que sua presença aqui fizesse algum sentido. Mumford and Sons, Elvis e Radiohead aparecem em arranjos diferentes e criativos que contam com propriedade a história do filme.

Infelizmente, o roteiro maduro ainda carrega diversos clichês que fazem com que a obra acabe partindo para aquilo que ainda é feito por 90% de seus companheiros de gênero nos seus finais. Claro que isso não chega nem perto de transformar a experiência de assistir The Book of Life em algo ruim. Muito pelo contrário, o ritmo agradável, as belas dublagens e os fatores técnicos a transformam em algo muito divertido e satisfatório.