A vida é cheia de coisas que nos permitem esquecer aquilo que nos incomoda, e dessa forma acabamos contribuindo para a confirmação do funcionamento da sociedade capitalista e aumentando o consumo de diversas mercadorias, até porque, variedade não falta, o necessário é comprar algo.
Talvez, o filme dirigido por Darren Aronofsky, “Réquiem Para um Sonho” sirva justamente como uma metáfora de uma sociedade consumista, já que o filme inicia com uma mulher assistindo televisão, que é um veiculo que atira consumo para o público e, é a mesma televisão que o filho único dessa mulher tira da sala, com o objetivo de vendê-la para comprar heroína.
Temos dois exemplos de consumismo e de coisas que permitem que as pessoas esqueçam algo que as incomoda, e a obra faz diversas ligações entre o peso econômico que isso traz para as pessoas que usam os objetos.
Ellen Burstyn é a mulher, que assiste todo dia, de forma selvagem, a um programa de televisão de perguntas e respostas, após receber um convite para participar desse programa, a senhora decide emagrecer, com o fim de utilizar um vestido vermelho. Para isso, ela passa em um médico e compra os remédios que lhe são receitados.
Jared Leto é o filho, viciado em heroína, o jovem rouba a televisão de sua mãe, penhora o objeto e usa o dinheiro para comprar a droga, dividindo-a com sua namorada, interpretada por Jennifer Connelly. O personagem de Leto e um amigo passam a vender drogas nas ruas, para ganhar dinheiro e enriquecer rapidamente.
Vemos como as drogas utilizadas, independente de qual seja, tem um efeito diferente uma da outra, se um dos três personagens citados toma café, logo a cena é cortada para um olho abrindo rapidamente, e isso também acontece quando o uso de heroína é feito, se algo que faz a pessoa ficar mais lenta é ingerido, sentimos isso como se tivéssemos tomado a substancia em questão. Isso se deve a grande capacidade de imersão do filme, que usa da montagem, da trilha sonora e dos movimentos de câmera, de forma que o espectador se bote no lugar dos personagens ali retratados.
A montagem é cheia de cortes, para mostrar os efeitos das drogas utilizadas (como já citado acima) e também para expor a velocidade dos fatos, velocidade essa que não é por conta da evolução dos personagens, mas, na verdade, é por conta da quantidade absurda de droga que é consumida por eles, fazendo com que o tempo passe mais rápido do que o comum.
A trilha sonora é inteligente em usar, na maioria das vezes, a mesma música, mas com ritmos e formatos diferentes, e essa música é sempre muito alta, em alguns casos é mais alta do que as falas dos personagens, se, na maioria dos filmes isso é um erro horrível, aqui, é uma decisão acertada, já que o som mais alto faz a sensação de velocidade aumentar, e isso facilita para que entendamos o que se passa.
Assim como os movimentos de câmera, que são inteligentes ao evocar espaços pequenos de forma que pensemos que são menores do que realmente são (como o apartamento de Burstyn, o apartamento de Connelly e os leitos de hospital), em compensação, os ambientes que são grandes, tem uma escala maior do que a real, como por exemplo, as cenas na rua, no mercado, ou as que se passam no programa que a senhora assiste.
Agora, se tudo isso em conjunto pode parecer bagunçado, confuso ou até exagerado, é só ver a perfeição da justaposição realizada na cena final, dividida em três núcleos distintos (porém ligados), em que os aspectos citados acima ficam unidos, como se fossem um só, e eles ainda são potencializados, a fim de que o público entenda que apesar de três momentos diferentes, e vividos de forma diferente, as pessoas ali retratadas passam pelo mesmo problema, elas apenas não percebem isso.
E o que faz as pessoas não perceberem que passam pelos mesmos problemas, e esses apenas são distribuídos de forma diferente? Talvez a resposta seja o consumismo insano que nos contamina diariamente, talvez seja o egoísmo que, querendo ou não, está presente em todos nós em maior ou menor grau, e talvez nem exista resposta para essa pergunta.
O que importa é que esse filme de Aronofsky é uma metáfora muito bem construída de tudo isso, e que é didático em mostrar como a sociedade funciona se a gente vender uma imagem que não é a gente apenas por causa dos outros, ou ainda, se tentarmos nos esquecer das coisas e de nós mesmos o tempo inteiro.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com