Se filmes de terror tem por objetivo assustar, manter o suspense do que vai acontecer, desde que solucione esse suspense no fim da obra, ou até mesmo, partir para o jump scare unicamente com o objetivo de arrecadar dinheiro nas bilheterias, há algumas projeções que fogem disso.
Talvez não fosse a intenção de William Friedkin fugir dos parâmetros comuns dos filmes ditos “comerciais” de terror, porém, em “O Exorcista” (1973), obra que se tornou clássica do gênero, ele foge totalmente do filme puramente feito para entreter, criando uma história interessante sobre maternidade.
Não à toa a personagem Chris MacNeil, interpretada por Ellen Burstyn é a protagonista da obra. A filha dela, Regan (Linda Blair), começa a passar muito mal sem nenhum motivo aparente, ao ir em consultas com diversos médicos e não obter resultados, a mãe dela passa a desconfiar de que o motivo para isso é o fato de a menina estar possuída pelo demônio.
Claramente sobrenatural, a obra também é uma metáfora sobre maternidade, relações entre mãe e filha – ou filho, no caso do padre Karras interpretado por Jason Miller. Tanto o terror, quanto essa metáfora, são bem construídas ao longo das duas horas e 13 de projeção.
O filme não tem pressa, devido a isso, ele estabelece bem os personagens e as relações entre eles. Conhecemos o padre e a mãe, sabemos que em algum momento de suas vidas, ele foi criado apenas por ela, devido ao falecimento do pai, assim, a mãe teve que encarar o desafio de criar uma criança sozinha.
Assim como Chris cria Regan sozinha, por motivos diferentes, não por um falecimento e sim por uma separação, ou seja, o filme é sobre mulheres que além de enfrentar os desafios de viver em uma sociedade machista, tem que encarar a maternidade sozinhas.
Por isso é admirável ver determinadas atitudes que Chris toma, principalmente porque ela nunca desiste de salvar a filha, qualquer atitude é válida desde que a menina fique bem no final das contas, esse tipo de coisa torna plausível várias cenas, como aquela onde ela toma a decisão de parar de consultar médicos e passa a contar com a ajuda do padre.
Ela não faz isso porque acredita em Deus ou em alguma religião, mas, porque vê na ideologia do catolicismo, um meio de salvar a filha dela, logo, nesse caso, no eterno embate entre ciência x religião, a religião ganha, não por causa da crença na ideia, mas porque uma mãe desesperada para salvar a filha recorre a qualquer coisa.
Todas essas coisas são mostradas pela ótica da mãe, esse desenvolvimento é gradual, quanto mais ela vai cogitando pedir ajuda ao padre, mais o filme dá “sinais” religiosos nas cenas, por exemplo, em uma das primeiras consultas ao médico, quando o doutor entra na sala, é possível ver um sombreado que remete a asas de anjos, logo que Chris vira para olhar o profissional entrando na sala, em determinados traços que tem o formato da cruz, ou na trilha sonora, com diversos toques de música sacra, adotados em determinados pontos do filme.
Por falar em trilha, apesar da presença da música, o som é predominantemente diegético, ou seja, composto de ruídos naturais do ambiente, isso serve para aprofundar as relações maternas descritas acima, já que graças as conversas e as lembranças destas, parte da trilha é criada.
As atuações também são essenciais para “O Exorcista” falar sobre maternidade, Ellen Burstyn dá ao público uma das melhores perfomances de sua carreira, ao criar uma mãe independente, capaz, bem-sucedida, amorosa e claro, preocupada com a filha. Linda Blair também está ótima como Regan, apesar da voz grossa ter sido uma dublagem feita por outra atriz, o trabalho físico da garota é notável e difícil de ser feito.
Portanto, ao filmar “O Exorcista”, Friedkin cria uma metáfora das mais ricas já feitas em um filme de terror, que em geral são conhecidos por serem mais para entretenimento (não que isso seja ruim). Com certeza, há mais aspectos maternos que o filme usa para contar a história do que os descritos aqui, espero que uma pessoa com mais conhecimento consiga elencar esses aspectos em um texto ou em outra mídia.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com