Femme fatale é um retrato de uma mulher que utiliza de sua sedução para obter informações, dados, ou qualquer outro de tipo de conhecimento que são essenciais para aquela determinada missão. Esse arquétipo é muito utilizado na literatura tanto como no cinema, geralmente no gênero policial ou investigativo, como por exemplo em Atomic Blond, ou em outras mídias como os quadrinhos, citando Elektra ou a Mulher-Gato, sendo que na maioria das situações em que elas são apresentadas, há geralmente um contexto e uma explicação para o uso excessivo do feitiço de atração para a conclusão do objetivo, não tentando sexualizar em excesso, como se fosse escrito por um adolescente de 15 anos, ou deixando de forma banal, podendo recair a estereótipos com significados pejorativos.
Com isso, um filme que recentemente utilizou um pouco dessa premissa foi Red Sparrow (Operação Red Sparrow, no Brasil), cuja sinopse é: “Outrora talentosa bailarina, Dominika Egorova é convencida a se tornar uma Sparrow, ou seja, uma sedutora treinada na melhor escola de espionagem russa. Após passar pelo árduo processo de aprendizagem, ela se torna a mais talentosa espiã do país e precisa lidar com o agente da CIA Nathaniel Nash. Os dois, no entanto, acabam desenvolvendo uma paixão proibida que ameaça não só suas vidas, mas também as de outras pessoas.”
E, apesar de ter um pressuposto bastante utilizado nesse tipo de histórias, chegando a ser um pouco batido, o longa consegue se diferenciar dos outros, de maneira negativa, com um excesso de erotismo e violência. O segundo tópico não chegaria a ser um empecilho, porém é a quantidade de agressões que a personagem de Dominika Egorova (Jennifer Lawrence) sofre no decorrer do filme. Parece que está presente apenas como uma forma de cobrir as falhas de enredo com brutalidade, soando até misógino.
Porém o que realmente incomoda é o excesso de sexualidade que é criado em volta da personagem de Lawrence, simulando um desejo libidinoso por todos em torno de sua personagem, sendo ratificado ainda com um excessivo número de cenas de nudez, perdendo toda a concepção artística desse quesito, culminando em algo gratuito, depravado, como se fosse uma fantasia sexual por espiãs russas do diretor, em que isso fica ainda mais comprovado com os personagens ao redor da protagonista, na qual todos só imaginam as habilidades sexuais da espiã, resultando em um excesso de testosterona descabido.
Ademais, alguns podem até argumentar que o filme não erra com esses excessos por se tratar sobre essas espiãs, sua formação e suas armas. Contudo, há uma cena em particular, dentro do centro de formação das espiãs, em que a personagem de Lawrence está tomando banho, quando chega um dos alunos e tenta estuprar ela, de forma súbita, sem nenhum contexto narrativo ou adição para o desenvolvimento da trama, surgindo apenas para puro efeito de dominação animal instintiva, ou seja, babaca. E, logo após esse momento há a cena gratuita de nudez de Lawrence, em que a professora obriga a protagonista a dar o que o aluno queria, porém o individuo não consegue iniciar o ato sexual no meio da sala. Ah, vale a pena ressaltar que ainda tem um relacionamento incestuoso entre o tio da protagonista com ela, contudo não finaliza em outro momento sexual gratuito.
Como se não bastasse, o fato de Lawrence, ou qualquer uma, aceitar um papel desses é o que incomoda ainda mais. Por um lado é bom, porque ela se desvencilha da figura formada por blockbusters, como Jogos Vorazes, conseguindo fazer fluir sua capacidade de interpretação para uma variedade de longas que exigem uma capacidade dramática ainda maior. Por outro, é assustador alguém que se sujeita a passar por essas cenas, ainda mais conduzidas de forma displicente, perdendo toda a carga que poderia ser criada por esses momentos, como em Irréversible (2002).
Logo, apesar de ser um assunto redundante, é necessário haver um cuidado muito grande para não transformar isso em um filme semi pornô, pois quando é colocada de maneira desmedida e desleixada, acaba se tornando algo sexista, um devaneio carnal que não acrescenta em nada, descontextualizando e ignorando como isso afeta o longa de forma negativa, transformando o que seria algo artístico em mera libido egocêntrica, ignorando toda a aura de poder que a sedução pode produzir, sem precisar apelar para algo mais visceral.
Apaixonado por cinema, amante das ciências humanas, apreciador de bebidas baratas, mergulhador de fossa existencial e dependente da melancolia humana.