Na vida, há uma fase de transição, e todo mundo passa por ela. Os inicios das diversas etapas desse tipo são múltiplos, mas, em geral, todos eles contam com um sentimento, e esse oscila entre saudade de algo perdido e medo do que está por vir.
“Mulher do Pai” é um filme sobre saudade e responsabilidade, dirigido por Cristiane Oliveira (que também assina o roteiro), a obra conta a história de Nalu, vivida por Maria Galant quando ela passa a cuidar do pai cego, por conta do falecimento de sua avó. Nesse momento, Nalu passa a ter o peso da responsabilidade.
Responsabilidade essa que é de difícil compromisso, já que a menina e o pai mal se falam, há uma divisão entre os dois que é explicita. Essa separação fica mais clara por conta de vários aspectos técnicos, como a fotografia, os planos e enquadramentos, e o uso da cor.
A fotografia é belíssima, e aqui, é usada a cor para destacar sensações, tendo a predominância de cinza, marrom com toques de vermelho, roxo e o vermelho sozinho. O marrom é o que domina a cidade, já que vemos areia e poeira em todo o lugar que a menina passa, o cinza é dominante nos figurinos, principalmente nos usados pelo pai e pela filha, demonstrando neutralidade e tristeza (com o passar do tempo, as cores das roupas da menina e do homem vão ficando mais claras, indicando uma melhora na relação).
O vermelho e o roxo são cores que tem como um de seus vários significados a libido, e nesta obra, o uso desses tons é presente nas conversas de Nalu com a melhor amiga, Elisa. Assim como em “Mate-me Por Favor” de Anita Rocha da Silveira, a paleta com essas cores fortes é utilizada para demonstrar a curiosidade das meninas em relação ao sexo, além de expor uma discrepância social entre as duas moças, já que, uma vive relativamente bem, em uma casa bem cuidada e com a outra é justamente ao contrário. O uso do som também é importante, sendo quase sempre subjetivo (o público escuta justamente o que os personagens escutam), demonstrando a secura das pessoas da pequena cidade, e como o ambiente ali é fechado.
A discrepância social, que foi citada acima, nos traz ao uso dos enquadramentos e planos, que são na maioria das vezes, planos abertos e planos gerais, dando dimensão ao ambiente e a grandeza que é a responsabilidade de cuidar do pai. E esse peso é retratado através da câmera quase sempre parada, focando nos personagens em cena, além de demonstrar paciência, e dar o tempo certo aos planos, isso ajuda o elenco a trabalhar de forma mais efetiva, fazendo o público sentir empatia por aquelas pessoas e aliado ao conhecimento dos atores e atrizes em relação aos personagens, faz a presença da profundidade de campo aumentar a tensão da relação entre e pai e filha.
E bom todos nos passamos, ou iremos passar, pela transição que Nalu encara. Ela leva a vida tendo a expectativa de algo melhor no futuro, e a vontade de sair de casa não é apenas por não gostar de onde mora, mas também por medo da mudança brusca que a jovem teve em sua vida e claro, da necessidade e vontade de se aproximar do pai.
Logo, “Mulher do Pai” é um filme rico visualmente, traz uma história que comove, e conta ainda com uma bela metáfora em relação a fronteiras, divisas que, cedo ou tarde Nalu tem que romper, seja para se aproximar da única família que tem, seja para crescer na vida, ou apenas para satisfação própria. E é bonito de ver como algo assim foi transposto para o cinema de forma tão elegante.
Formado em Jornalismo e apaixonado por cinema desde pequeno, decido fazer dele uma profissão quando assisti pela primeira vez a trilogia “O Poderoso Chefão” do Coppola. Meu diretor preferido é Ingmar Bergman, minhas críticas saem regularmente aqui e no assimfalouvictor.com