Nota do Filme:
O Mississippi é um estado do sudeste americano que já teve uma das economias mais ricas do país. Sustentada pela agropecuária e agricultura, a fonte de renda da região no século XIX e início do XX era proveniente, em sua maioria, do trabalho escravo realizado na colheita do algodão nos grandes latifúndios presentes por ali. Após a abolição da escravidão em 1863 em todo território americano, o estado perdeu força econômica e viu surgir diversos grupos revoltosos e até mesmo com ideais extremistas. O racismo, ainda muito arraigado, persiste até os dias de hoje, e acaba se refletindo no comportamento e pensamentos da parte mais conservadora da sua população.
No ano de 1941, no interior do estado do Mississippi, acompanhamos a história de Hap Jackson (Rob Morgan) e sua esposa Florence (Mary J. Blige), que moram com os filhos numa casa próxima ao campo de colheita de algodão. O sonho do patriarca é ter, enfim, a posse da terra – aquela ou qualquer outra – em definitivo. Seus antepassados foram os antigos donos do local, possuindo inclusive a sua escritura, mas perderam esse direito à força pelo simples fato de serem negros. Por outro lado, temos uma outra família, dona da terra “por direito”, que se muda para o local com a finalidade de usar o trabalho da família Jackson para prosperar no ramo do algodão. Henry McAllan (Jason Clarke) e Laura (Carey Mulligan) são um casal, que, com as duas filhas e o pai de Henry, Pappy McAllan (Jonathan Banks), buscam no interior uma chance de viver uma vida mais tranquila e bem sucedida. O detalhe de serem brancos torna tudo mais fácil e os dá a falsa impressão de terem o direito de mandar na família de Hap sempre que bem entendem.
Em segundo plano, a 2ª guerra mundial (1938-1945) ainda estava muito viva e presente na vida de todos os cidadãos que faziam parte das nações envolvidas no entrave. Com cada vez mais territórios em zona de combate e com a necessidade latente de aumentar o seu efetivo, os EUA recrutavam o máximo de soldados que se colocassem à disposição, fato que, sem querer, acabou colocando ambas as famílias para lidar com um fator em comum: o filho de Hap, Ronsel (Jason Mitchell), sargento de uma das unidades de tanques dos panteras negras; e o filho de Pappy, Jamie (Garrett Hedlund), capitão e piloto de caça, se alistam para ajudar o país naquela que ficou conhecida como a maior e mais mortal guerra de todos os tempos. O medo latente de perder um membro da família poderia criar um laço de empatia entre os McAllan e os Jackson não fosse o fato de Pappy ser um ex-veterano de guerra extremamente racista que não suporta o fato de estar no mesmo cômodo de alguém que considera inferior.
Segundo longa da diretora Dee Rees, o filme foi indicado a 4 Óscares que ajudaram a alavancar a sua visibilidade e importância numa Hollywood tão recheada por integrantes do sexo masculino, de meia idade, brancos e héteros. Dee, mulher, jovem e negra, traz a sensibilidade necessária para tratar de um tema como o racismo, seja ele velado ou escancarado, que insiste em se fazer presente até os dias de hoje. Em entrevista para o portal americano NPR, a diretora afirma que, desde a infância, sofreu com o preconceito na própria rua de casa, visto que seu vizinho era um membro convicto da Ku Klux Klan. A diretora, injustamente não indicada para o prêmio de direção, dá vida à uma história forte, que te provoca raiva e emociona, que mostra o crescimento de uma amizade improvável, mas por fim, encerra com um soco no estômago talvez até mais poderoso que o dado anos atrás por Steve McQueen, em 12 anos de escravidão (2013), e por Barry Jenkins, em Moonlight (2016).
Outro nome que merece muito destaque é o da cinematografista Rachel Morrison, primeira mulher indicada ao principal prêmio da categoria. Em Mudbound, para criar um clima mais realista, cru e não tão polido, Rachel optou por uma combinação de câmeras e iluminações que retratam um naturalismo subjetivo, ou seja, um tipo de produção em que muita iluminação é utilizada para passar a impressão de uma iluminação natural e lentes anamórficas são utilizadas para a fotografia parecer quase analógica.
O roteiro, indicado à categoria de adaptação, foi escrito pela própria diretora com a ajuda de Virgil Williams (mais conhecido por trabalhos na televisão) e conta uma história que, auxiliada pela excelente edição, consegue separar os núcleos da fazenda e da guerra por determinados momentos, mas juntá-los de maneira afiadíssima quando um paralelo precisa ser traçado entre um membro da família que ficou e um que foi defender o seu país. Utilizando narrações por parte dos personagens principais, a trama é retratada num ritmo lento, mas de alta intensidade – assim como a vida no Mississippi da década de 40 deveria ser – e traz em seu desfecho a poderosa canção “Mighty River”, interpretada por Mary J. Blige, que traz em sua letra uma bela mensagem que vê no amor e no tempo poderosos elementos para combater a intolerância. Vale lembrar também que a atriz foi indicada ao prêmio de coadjuvante de maneira muito justa.
No final, Mudbound é um filme necessário e forte, que com atuações memoráveis e uma cinematografia que merece seu devido reconhecimento, forma uma história que certamente irá tocar grande parte de seus espectadores.