Diretores como Guillermo del Toro e Tim Burton têm os seus nomes solidificados na indústria cinematográfica. Bem sucedidos nos gêneros de ficção, horror e fantasia, esses cineastas constroem universos próprios, dotados de uma identidade visual particular, além de usar cores e texturas que parecem descoladas da realidade. Seja com a intenção de externar o estado emocional de personagens ou uma forma de exercitar as suas técnicas cinematográficas, esses profissionais nunca esconderam a fonte em que beberam para a construção de suas assinaturas visuais: o italiano Mario Bava, o Maestro do Macabro.
Nascido na Itália em 1914, Mario Bava começou a sua carreira seguindo os passos do pai, um pioneiro dos efeitos especiais no cinema daquele país. Começando a vida profissional como pintor, aos 20 anos passou a trabalhar na indústria cinematográfica italiana como diretor de fotografia. Em 1956, Mario Bava precisou assumir a direção de “Os Vampiros” (o primeiro filme de terror italiano desde o cinema mudo) faltando apenas alguns dias para a conclusão das filmagens, uma vez que o diretor Riccardo Freda abandonou a produção. Esse evento atribulado fez com que Bava ganhasse algum reconhecimento, uma vez que finalizou “Os Vampiros” de forma rápida e satisfatória. Entretanto, foi só no início dos anos 60 que o Maestro encontrou o sucesso que merecia.
Em 1960, “A Maldição do Demônio” obteve grande êxito comercial e crítico, lançando a carreira do diretor (e da protagonista Barbara Steele) ao estrelato. Ainda nessa década, Bava iria dirigir “Black Sabbath”, uma antologia onde 3 histórias envolvendo vinganças, zumbis e bruxaria são contadas. Outro sucesso. Entre os admiradores mais célebres de “Black”, encontra-se Ozzy Osbourne que iria usar o título do longa para batizar a sua banda. Ainda nos anos 60, Bava iria revolucionar o cinema de gênero italiano com “Seis Mulheres Para o Assassino”, de 1964. Em “Seis Mulheres”, uma modelo é morta por um homem mascarado e o objeto que poderia elucidar o crime desaparece misteriosamente, culminando em uma onda de assassinatos. Além de dialogar com o cinema de Hitchcock, como havia feito no subestimado “A Garota Que Sabia Demais” de 1963, Mario Bava sedimenta as bases do giallo, gênero imortalizado por nomes como Lucio Fulci, Sergio Martino e Dario Argento.
Em 1966 viria a sua obra-prima: “O Ciclo do Pavor”. Com os dois pés no cinema gótico, “O Ciclo do Pavor” (que também já teve o infame título de “Mata, Bebê, Mata” aqui no Brasil, uma tradução literal da alcunha americana) é um assustador exercício de suspense e estilo, além de antecipar a febre das crianças demoníacas que tomaria de assalto o cinema de horror hollywoodiano na década seguinte. Antes, em 1965, Bava lançaria “O Planeta dos Vampiros” uma sensacional mistura de horror e ficção científica que serviria de inspiração para “Alien o 8º Passageiro” de Ridley Scott. Em certa ocasião, Dan O’Bannon, roteirista de “Alien”, negou certa vez que tenha assistido a “Planeta” mas as semelhanças narrativas e visuais são inegáveis.
Falando em “inspirações”, agora ainda mais descarada, em 1971, Bava entrega outra obra-prima seminal: “Banho de Sangue”. Os fãs de “Sexta-feira 13” provavelmente lembram de uma cena, especificamente na “Parte 2”, onde um casal, transando em um quarto, é silenciosamente empalado por Jason Voorhees. A lança atravessa as duas vítimas ao mesmo tempo, enquanto um plano médio mostra seus corpos em espasos mortais. Pois é… essa cena, e até o enquadramento, saiu de “Banho de Sangue”. E vou mais além. Toda a ambientação à beira de um lago com adolescentes ninfomaníacos e com Q.I. baixo, que tomaram conta dos slashers americanos nos anos 80, saíram do longa de Bava, só que com uma diferença: em “Banho” eles são apenas algumas peças num quebra-cabeça interessante e repleto de ironia, humor negro e muita violência. “Banho de Sangue” talvez seja longa mais explícito já dirigido por Mario Bava.
Na década de 70 Mario Bava conheceria outro grande sucesso de bilheteria: “Os Horrores do Castelo de Nuremberg” de 1972. Nele, nos deparamos com um jovem em visita ao castelo de um antepassado, famoso de torturar seus inimigos. Uma maldição, então, irá se abater sobre ele. Trata-se de um filme menor de Bava, com uma trama fraca e uma mise em scene pouco inspirada. Entretanto, o excelente desempenho do caixa fez com que Alfredo Leone, produtor, desse a Bava carta branca para o seu próximo projeto: “Lisa e o Diabo” de 1973. Todavia, o público não entendeu a proposta onírica e pouco usual do longa, condenando-o ao fracasso financeiro. A saída encontrada por Leone foi a de remontar e dirigir novas sequências, tudo à revelia de Bava, transformando “Lisa e o Diabo” em “A Casa do Exorcismo”, uma imitação vergonhosa (e sem vergonha) de “O Exorcista”. Não deu muito certo: “A Casa do Exorcismo” só encontrou desprezo por todos os lados.
Depois desse tombo, Mario Bava encontrou dificuldade de financiar o seu próximo projeto, mas engana-se quem pensa que Bava iria apostar no certo. Pelo contrário: “Cães Raivosos” de 1974 é o brutal relato de um sequestro quase em tempo real. Contemporâneo e marginal, o filme é cruel e enervante, dono de uma conclusão assustadora. É um ponto fora da curva na filmografia baviana mas não menos genial e angustiante. Entretanto, “Cães”, rodado com um orçamento anêmico, não chegou sequer a ser finalizado: um acidente vitimou fatalmente o seu produtor, fazendo com que a montagem fosse interrompida por falta de dinheiro (Bava estava praticamente falido e não pôde seguir adiante com a montagem). Só nos anos 90 é que ele foi resgatado após uma exaustiva batalha judicial. Recuperado por Lea Lander, a protagonista do longa, Rabid Dogs foi remontado por Lamberto Bava, filho de Mario, e relançado nos cinemas com a ajuda de Alfredo Leone, o produtor do malfadado “Lisa e o Diabo”. No fim das contas, acabou sendo descoberto por Quentin Tarantino, que se inspirou a estética suja e violenta do thriller para compor o seu “Cães de Aluguel”.
Apesar de toda essa sequência de tropeços, Mario Bava ainda viria a dirigir “Shock” em 1977. Trata-se da história de uma viúva que se vê às voltas com o comportamento cada vez mais estranho do filho, a quem suspeita estar possuído por algum espírito. O longa foi dirigido por Mario Bava com a ajuda de seu filho, Lamberto, que também colaborou no roteiro. Temos aqui um suspense fraco, com um sério problema de ritmo e que só encontra alguma força nos minutos finais. Apesar desse canto do cisne decepcionante, o legado deixado por Bava é inestimável. Antes de morrer, em decorrência de um ataque cardíaco em 1980, Bava ainda colaboraria na concepção visual de “A Mansão do Inferno” de Dario Argento, um interessante e delicioso conto de casa assombrada onde se é possível perceber a verve baviana em cada fotograma. É um belíssimo trabalho de Argento, apesar do roteiro irregular.
Esse artigo não tem a intenção de comentar toda a extensa filmografia de Mario Bava, que ainda inclui pérolas como “Alerta Vermelho da Loucura”, mas discutir como esse artesão não só foi fundamental para o estabelecimento da Itália como um celeiro fértil e revolucionário para o cinema fantástico, mas também mostrar que os ecos visuais e narrativos “bavianos” continuam ressoando. Lamentavelmente, Bava continua pouco conhecido e reconhecido no Brasil. Culpa, entre outros fatores, de um menosprezo que o gênero sofre por parte de uma parcela do mercado de home video. Entretanto, recentemente, uma excelente distribuidora de DVDs, especializada em filmes clássicos e cults, tratou de lançar vários filmes de Mario Bava em edições especiais e restauradas, permitindo que o público conhecesse as obras do diretor, muitas delas até então indisponíveis no mercado brasileiro. A internet também pode ser de grande ajuda na descoberta e apreciação desses filmes. De um jeito ou de outro, Mario Bava merece ser reconhecido pelos fãs do horror e do fantástico, afinal, muito da linguagem e estilo que pavimentaram o caminho desses gêneros se deve à sua genialidade. Conhecer e prestigiar o eterno Maestro do Macabro é uma obrigação cinéfila.