Todos sabemos que a Netflix tem um catálogo bastante extenso e cada vez mais voltado para produções originais. Apesar disso, ainda dá para fazer ótimos achados na plataforma que, periodicamente, inclui novos títulos, estrangeiros e nacionais, entre os incontáveis filmes e séries produzidas pela própria empresa.
Eis que, nos últimos meses, a Netflix fez aquisições interessantes para seu catálogo e trouxe alguns filmes brasileiros que são verdadeiros marcos para o nosso cinema. Entre eles, você pode encontrar grandes clássicos modernos como Carandiru e Que Horas Ela Volta?, mas também outros filmes essenciais para se conhecer o cinema nacional e, porque não, se apaixonar por ele. Confira abaixo cinco novidades nacionais no catálogo da Netflix que merecem sua atenção:
Uma História de Amor e Fúria (2012)
O Brasil não é um país famoso por seus longas de animação, como é os Estados Unidos, por exemplo. Por esse motivo, a entrada de Uma História de Amor e Fúria para o catálogo da Netflix chama atenção, não apenas por ser um longa pouco conhecido do público geral, mas também por sua qualidade, tanto narrativa quanto técnica.
Ecoando a tradição latina do realismo fantástico de obras como Cem Anos de Solidão e Macunaíma, o filme parte de uma história de amor que atravessa os séculos para passear entre momentos-chave do Brasil, tendo sempre em mente que para mudar o futuro, é preciso conhecer o passado. A trama retrata a colonização do pais, a Balaiada do Maranhão, o Regime Militar e imagina um Rio de Janeiro em 2096 onde a água potável foi privatizada e se tornou um bem para poucos.
Sem poupar o espectador de momentos bastante pesados, a intenção do filme é questionar tanto os acontecimentos quanto aqueles que foram descritos como heróis nos livros de história. Apesar da abordagem aparentemente pessimista, Uma História de Amor e Fúria nos convida a refletir sobre nossas origens para construirmos um futuro melhor.
Bicho de Sete Cabeças (2001)
O realismo cru de Bicho de Sete Cabeças (que completa 20 anos de lançamento em 2021) acaba fazendo dele uma experiência bastante assustadora em diversos momentos. Porém o mais difícil no filme é ver que o que assusta não é uma figura fantasiosa, mas sim a violência e a crueldade do próprio ser humano.
No longa, Neto (Rodrigo Santoro) e seu pai Wilson (Othon Bastos) têm uma relação difícil e conturbada, mas, por conta de um mal entendido, Wilson decide colocá-lo num manicômio, onde vai ser abandonado à própria sorte. Uma vez vivendo num lugar onde ele supostamente deveria ser cuidado, Neto entra em contato junto com o espectador com uma realidade desumana e aterrorizante.
Já em seu primeiro longa-metragem, a diretora Laís Bodanzky conseguiu não apenas tecer duras críticas às práticas institucionais em hospitais psiquiátricos, como também abordar a complexidade das relações familiares, muitas vezes pautadas em conceitos moralistas que impedem o diálogo e a compreensão entre pais e filhos. Por meio de uma narrativa perturbadora e bastante forte, a diretora construiu um clássico moderno do cinema nacional e ajudou Rodrigo Santoro a se tornar conhecido mundo à fora.
O Lobo Atrás da Porta (2014)
Baseado no caso verídico de um crime que aconteceu na década de 50 no Rio de Janeiro, O Lobo Atrás da Porta fez um enorme sucesso de crítica na época em que foi lançado, mas se você ainda não teve a oportunidade de saber o porquê, esse é o momento.
O filme começa com Bernardo (Milhem Cortaz), Sylvia (Fabiula Nascimento) e Rosa (Leandra Leal) presentando depoimento em uma delegacia a respeito do desaparecimento de Clarinha (Isabelle Ribas), filha de Bernardo e Sylvia. Pouco a pouco, os personagens vão dando suas versões do fato e o que se descobre é uma trama de amor passional repleta de obsessão e mentiras que termina caminhando para um final absolutamente chocante.
Não foi a toa que O Lobo Atrás da Porta arrebatou plateias por onde foi exibido. Seja por conta da direção segura e roteiro muito bem amarrado de Fernando Coimbra ou pela atuação extraordinária de Leandra Leal, o filme é um verdadeiro soco no estômago. Um dos melhores longas nacionais lançados nos últimos anos.
Boa Sorte (2014)
Em 2014, Boa Sorte foi o longa que ajudou a fazer com que o nome da atriz Deborah Secco ficasse comentadíssimo. Ela precisou emagrecer oito quilos para viver sua personagem, mas não foi apenas a mudança física que fez com ela ganhasse destaque na temporada de premiações nacionais naquele ano.
Baseado num conto do diretor e roteirista Jorge Furtado (que também ajudou a adaptá-lo para o cinema), Boa Sorte conta a história de João (João Pedro Zappa), um adolescente de 17 anos que é diagnosticado com depressão e, por isso, é mandado para uma clínica para realizar um tratamento. Lá ele conhece Judite (Deborah Secco), que é portadora do vírus HIV e não tem muito tempo de vida. Mesmo sabendo disso, os dois se apaixonam e acabam vivendo um amor intenso e transformador.
De forma absolutamente orgânica, o filme consegue um ótimo equilíbrio entre a leveza do amor e da amizade dos personagens e o peso de suas histórias e dramas pessoais. Mesmo abordando temas tão sérios, ele retrata a história sob um olhar muito sensível e, de quebra, ainda entrega uma atuação memorável de Deborah Secco, que mostra um talento que vai muito além do que assistimos nas novelas.
Estômago (2007)
Verdadeiro clássico cult do cinema nacional, Estômago é um filme espetacular que vai intrigando cada vez mais o espectador à medida em que avança na trama. Transitando entre passado e futuro, vamos pouco a pouco conhecendo a história de Raimundo Nonato (João Miguel), um sertanejo simples que acaba de chegar em São Paulo buscando melhores condições de vida, mas que, em certo momento, descobrimos que vai parar na cadeia.
Quando chega na cidade grande, Nonato não tem onde cair morto, mas logo consegue um lugar para ficar em troca de fazer coxinhas e pastéis para vender no boteco de seu novo patrão. O protagonista começa a cozinhar cada vez mais e melhor e é através do estômago que vai conquistando as pessoas, galgando posições e aprendendo as regras da sociedade dos que devoram e dos que são devorados. Regras que ele usa ao seu favor, porque mesmo os cozinheiros têm direito a comer sua parte. E eles sabem, mais do que ninguém, qual parte é a melhor.
Em mãos menos habilidosas, este poderia ter sido um filme mediano, talvez esquecível. Mas a direção segura de Marcos Jorge, que tem plena noção do poder da montagem em sua narrativa, torna Estômago uma verdadeira pérola do nosso cinema, agora disponível na Netflix para rebater todos que insistem em dizer que falta qualidade ao cinema nacional.
Jornalista viciada em recomendar filmes e revisora de textos recifense que vive escrevendo sobre cinema nas horas vagas.