Pernambucano nascido em Recife, Guel Arraes dirigiu “Lisbela e o Prisioneiro”, filme que, antes de tudo, é um tributo ao cinema nacional. Lançado em 2003, o longa alcançou bilheteria de pouco mais de três milhões de reais, um feito relativamente bom para filmes brasileiros. O diretor tem ainda em seu currículo outros filmes prestigiados como “O Auto da Compadecida” (2000) e “Caramuru – A Invenção do Brasil” (2001).
Lisbela (Débora Falabella) é uma moça sonhadora que adora ir ao cinema e vive esperando que um de seus filmes se torne realidade. Leléu (Selton Mello) é um trambiqueiro conquistador, que ganha a vida viajando entre cidades e já foi de tudo na vida: padre, vendedor, professor, ator. Numa de suas muitas aventuras, ele chega à cidade de Lisbela. Logo que se conhecem, os dois se apaixonam. Porém, a jovem está noiva do playboy Douglas ( Bruno Garcia). Além disso, Leléu está sendo perseguido pelo matador Frederico Evandro (Marco Nanini), devido ao envolvimento amoroso com sua esposa, Inaura (Virginia Cavendish).
O filme consegue dosar bem as emoções. É cômico, dramático e romântico ao mesmo tempo. Logo na cena inicial, enquanto aparecem os créditos da produção, a mocinha está em uma sala de cinema, e antes que se possa pensar, ela já está nos contando com um brilho no olhar, a sinopse do que virá a ser retratado na tela -não só a que ela está assistindo, como também a que nós (espectadores) estamos prestes a acompanhar!
Uma peculiaridade da obra é a construção narrativa, que conta o com a presença de narrador, – seja ele direto ou indireto-, e desde o início intercala a história dos protagonistas com produções hollywoodianas, estabelecendo uma comparação entre os dois estilos, e flertando com o cinema contemporâneo. As cenas do casal principal são intercaladas com passagens de um suposto filme que Lisbela assistia, abrindo também a caixa de diálogo com o espectador, como na cena em que Frederico encontra Inaura com o amante.
A estética visual da filmagem é carregada de regionalismos, com figurinos, sotaques, e cenários estereotipados do Nordeste e uma cronologia atemporal. Os diálogos são inteligentes, na medida em que muitas vezes se constituem de rimas, e lembram a literatura de cordel, característica da região em que se passa a trama. Um exemplo disso, é a cena em que Lisbela e Leléu se conhecem, na qual eles fazem da transformação da Monga (mulher macaco) uma analogia para o amor.
O filme também faz uma referência à valorização do cinema nacional. Quando os protagonistas se encontram na sala de cinema, Leléu pergunta se Lisbela queria ser artista, ela rebate dizendo que “não é nem americana para isso”. Ao que ele indaga colocando seus óculos escuros: “ e nunca ouviu falar em artista nacional não? ”. A pergunta retórica concorda com todo o ponto de vista que o filme vem tentando nos passar, de que o cinema brasileiro também é capaz de gerar um “ love ending” de qualidade.
Essa mesma cena também é interessante sob outra perspectiva: todo o tempo que esteve com seu noivo na sala de cinema Lisbela não se deixou distrair do filme em nenhum momento, no entanto, quando Leléu se declara, pela primeira vez, ela desvia o olhar da tela. Nesse momento, até a película que estava em exibição tomou o segundo plano, e pareceu observar conversa dos dois, já que ela estava vivenciando pela primeira vez em sua vida, o amor que tanto idealizava. A analogia à vida dos protagonistas com o cinema se repete de maneira constante, e permite interpretar que a protagonista se apega a Leléu, talvez porque ele fosse a única coisa capaz de aproximar a realidade dela ao mundo de romances norte-americanos que ela projetava através do cinema.
Apesar do belo romance entre os protagonistas, o filme demonstra outros tipos de amor. Nesse aspecto, cabe destacar a importância dos personagens de Marco Nanini, que encarna o amor possessivo, à base da vingança, e de Virginia Cavendish, que nos mostra as reações de uma mulher infiel ao seu marido e apaixonada por outro.
A trilha sonora do filme é bastante representativa, cumpre o seu papel tanto em demonstrar o caráter dos personagens quanto para representar os sentimentos necessários em muitos momentos. Em alguns deles, a obra adquire tons de musical -onde a letra da música fala pelo personagem-. Exemplo disso é a cena em que Lisbela faz sua declaração de amor à Leléu e desiste do casamento ao mesmo tempo em que a música de fundo entoa os versos “ Já não me importa o que vão dizer. Nem me interessa, eu não vou ligar. Só quero ter meu bem aqui comigo. […]para o diabo os conselhos de vocês. ”
Dessa forma, Lisbela e o Prisioneiro é um filme essencial para aqueles que se interessam em conhecer as belas produções do cinema nacional. O filme é capaz de entreter, e causar uma experiência impactante ao seu expectador.